Há posturas e reações as mais diversas em meio às hercúleas adversidades: desesperadas, paranoicas, indiferentes, descrentes, oportunistas, irresponsáveis, obtusas… Há, por mais inesperadas, algumas até ponderadas e outras bem-humoradas.
Para as posturas corretas, seria redundante observar que, em momento de descontrole no tráfego de comunicações, via redes sociais, nunca a informação dos fatos reais – não fakes – foi tão importante.
Entretanto, não é prescindível o reforço à verdade frente à mentira – e ou às crenças insanas e teorias das conspirações diversas. Isto dado o fato de que, em situações extremas, a desinformação pode levar à morte, como aconteceu no Irã, onde 27 pessoas, muito mal informadas, tomaram álcool puro acreditando estarem se protegendo do coronavírus e acabaram mortas.
Por mais indigesto a muitos – os que ainda confundem meios de comunicação como redes sociais com instrumentos confiáveis de informação -, é vital a consciência do mau uso da internet, sendo a desconfiança, portanto, uma prevenção tão fundamental quanto lavar as mãos.
As redes são, sim, extraordinários veículos de “comunicação”, mas terríveis como fontes de “informação”. Pode não parecer, mas são instrumentos muito distintos.
Mais um exemplo de dano pode ser verificado em recentes postagens indicando a fabricação caseira de álcool em gel, cuja receita se resume a… misturar álcool com gelatina! Quanta criatividade alquimista primitiva!
Frente a absurdos dessa proporção, ao menos há mínima possibilidade de se questionar sobre um poderoso fenômeno da contemporaneidade: o da descrença na ciência, na “razão”, em favor de crendices sem fundamento, de uma “fé” banal.
O problema é que essa fé, de maneira “vera” preocupante, tem sido cada vez mais cega – no mal sentido. Certas crenças podem até não ser comparadas ao primitivismo do Paleolítico – conhecido como “Idade da Pedra Lascada” -, mas, sem dúvida, têm muito a espelhar-se no obscurantismo da era medieval.
Apenas para efeito de comparação, ainda na área da medicina, não há muito distanciamento entre tomar álcool puro e sangrar o doente para acabar com a doença, como se fazia dantanho…
Agora, é espantoso diagnosticar-se que, a despeito da tecnologia e de toda essa propagada comunicação rápida e direta entre as pessoas mundo afora, o retrocesso civilizacional se alastra como uma metástase no corpo social – causando até mortes, como se observa.
Interessante recordar, neste contexto, um dos maiores cientistas da história, aquele que, há séculos, já sabia algo desacreditado por muitos hoje: que o mundo é redondo! Ora, vejam só!
Essas figuras – denominadas “terraplanistas” -, na verdade, bem representam um grupo maior de espécimes desgarradas da ciência e da própria Teoria da Evolução, tendo em comum o posicionamento extremista, a intolerância generalizada, a idolatria à ignorância e a fé cega.
Bem parecem teletransportados da Idade das Trevas para o século 21, trazendo consigo absurdas incoerências. Salvo poucas variações, creem na Terra com abismos nas “beiradas”, mas não acreditam em conhecimento didático, racismo, holocausto de judeus, vacinas, coronavírus…
Naturalmente, cai por terra, na plenitude desta realidade, todas as conquistas herdadas do Renascimento e do Iluminismo, a partir dos quais o estado laico se consolidou como virtude fundamental e a ciência e as artes ganharam o devido respeito e reconhecimento.
Não por acaso, a ciência, o conhecimento empírico, as artes e a própria imprensa têm sido tão atacados pelo atual sectarismo, posto não compactuarem com qualquer tipo de fanatismo, por serem forçados a trabalhar com fatos – não “fakes”. Não são, portanto, bons instrumentos para o uso, literalmente, da “má-fé” junto ao povo.
Por olhar mais bem-humorado, contudo, é possível ao menos aprender um pouco com a tragédia. E Galileu Galilei serve bem ao propósito. Cientista, físico, matemático e filósofo italiano, Galilei foi o primeiro astrônomo a alcançar novos conhecimentos com o uso do telescópio. Assim, no século 17, defendeu o conceito de que a Terra não era o centro do universo.
Embora seja considerado um gênio, com habilidades em artes e como cientista, não concluiu nenhuma graduação. Apesar disso, em Florença, começou a dar aulas particulares para se sustentar e acabou destacando-se pelas pesquisas em geometria e nos estudos matemáticos.
Nessa época, inventou a balança hidrostática, mecanismo que seria publicado em tratado detalhado no ano de 1644. Em 1589, pelo reconhecimento das contribuições científicas e raciocínio “brilhante”, foi nomeado para integrar a cátedra de matemática na Universidade de Pisa.
Contudo, não era bem acolhido pelos professores, por ter apenas 25 anos, formação acadêmica incompleta e descrença publica quanto às teorias consagradas de Aristóteles.
Em 1590, Galilei publicou um tratado sobre o movimento dos corpos. Em 1591, foi tirado do cargo de professor, após sucumbir às intrigas e disputas com os defensores de Aristóteles.
Em 1592, acabou indicado, pelo senado de Veneza, a lecionar matemática na Universidade de Pádua, cargo que manteria por 18 anos. Em 1609, construiu um telescópio baseado no inventado anteriormente por Hans Lippershey, na Holanda.
Galilei fez observações minuciosas do céu e descobertas inesperadas: localizou as quatro maiores luas de Júpiter e as montanhas e crateras existentes na superfície da lua.
Quando detectou manchas na superfície do sol, a descoberta contribuiu para provar a teoria dele de que a estrela girava sobre um eixo. Investigou Saturno e observou o que pareciam ser duas luas fixas, as bordas do sistema de anéis de Saturno. Mas, o telescópio de Galilei não tinha precisão suficiente para determinar exatamente o que eram os pontos.
Suas descobertas foram reunidas e publicadas em março de 1610 no livro “O Mensageiro das Estrelas”. A obra foi aclamada e também gerou muita polêmica, porque Galilei defendia publicamente a teoria de Nicolau Copérnico, de que o sol era o centro de sistema solar, e não a Terra.
Naquela época, a Igreja Católica controlava a ciência e sustentava a visão oposta, de que o centro era a Terra.
Em 1616, Galilei foi acuado pelas autoridades da Inquisição e ameaçado de pena de morte, caso não renegasse publicamente as verdades científicas que tinha comprovado.
Ficou expressamente proibido de ensinar e propagar ideias contrárias ao posicionamento da Igreja. Mesmo assim, em 1632, publicou o “Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Universo”, ocasionando repúdio e intolerância religiosa.
Impedido de seguir com as pesquisas e teorias, o cientista recolheu-se em seu castelo localizado em Arcetri, vila próxima de Florença, onde dedicou-se a prosseguir os experimentos solitariamente.
Galilei faleceu no dia 8 de janeiro de 1642 em Arcetri, na Itália. Estava quase cego pela observação das manchas solares feita sem a proteção adequada durante décadas.
Trezentos e cinquenta anos depois, por meio do papa João Paulo 2º, em 31 de outubro de 1992, a Igreja Católica reconheceu formalmente a legitimidade das teorias de Galilei.
No momento, por sua vez, não deixa de ser irônico notar que sobre a ciência – até há pouco tão desprezada, senão hostilizada – deposita-se a esperança contra uma nova praga de proporções bíblicas.
Apesar das perdas que daí devem advir, que também desse desafio se descortine um novo período de claridade, Iluminista, em que os fanatismos extremistas a obscurecer a realidade se dissipem, abrindo espaço à razão e ao equilíbrio em amplo sentido: entre fé e ciência, entre estado e religião, entre ideologias políticas, entre Poderes!
Ainda é possível ter esperança. Afinal, como observado por Galilei, realmente o mundo não é apenas redondo, como dá voltas!