Raymundo Farias de Oliveira *
Em tempos de tantos solavancos políticos, quando vejo, na televisão, o jovem presidente do Banco Central (Roberto Campos Neto), vem-me à memória a figura de seu avô, professor Roberto Campos, nascido em Mato Grosso, filho de família humilde, mas que “pelo talento e engenho criador, acabou exercendo alguns dos mais prestigiosos cargos da vida pública brasileira”.
Li, no século passado, suas memórias – “A Lanterna na Popa – Memórias” – Topbooks – 1.417 páginas, edição de 1994, e senti verdadeiro espanto diante de tanta erudição, informação, cultura, humor, convicção e humanismo na vida de um só homem.
Amigo do liberal francês Raymond Aron, ambos defenderam em seu tempo ideias pouco palatáveis, sofrendo por isso ataques e impropérios de toda ordem para, muitos anos depois, verem essas ideias ganharem o beneplácito e a legitimação da história, como ressaltado na orelha do alentado livro de memórias.
Como é sabido, “Memórias” envolve “desabafos” que, muitas vezes, ilustram a obra. Desnudam a alma do memorialista, mostrando até onde chega o seu “eu” profundo. Verdadeiras “confissões”…
Confissões como “não fui perito na arte de chegar ao poder e menos ainda na de ficar no poder. Consolava-me relembrando o dito de Alfred Marshall, o pai da economia neoclássica: ‘Não se pode ser patriota e popular ao mesmo tempo’”.
E esta: “Em dimensão humana muito menor, procurei repetir o que Bertrand Russel dizia ser uma característica de Gladstone: não consentir em comprar o poder pessoal a custo de apostasia’. Certamente cometi, porém, o único pecado que a política não perdoa: dizer a verdade antes do tempo”.
E mais adiante, na mesma pág. 1.280: “Passei a ser apelidado de Bob Fields e acoimado de ‘entreguista’ e ‘vendido às multinacionais’”.
Aceitei com equanimidade o que para outros seria psicologicamente arrasador, lembrando-me sempre do aforismo do chanceler Adenauer: “O maior dom que o Criador pode conferir a um estadista é dar-lhe couro de elefante”…
Mas o grande “desabafo” do professor Roberto Campos ocorreu no seu histórico discurso de despedida da vida parlamentar – oito anos no Senado e oito na Câmara – na última quinta-feira de janeiro de 1999, publicado pelo “Estadão” no dia 31.
… “Minha melancolia não provém de saudades antecipadas de Brasília, cidade que considero um bazar de ilusões e uma usina de déficits. A melancolia provém do reconhecimento do fracasso de toda uma geração – a minha geração – em lançar o Brasil numa trajetória do desenvolvimento sustentado. Continuamos longe demais da riqueza atingível e perto demais da pobreza corrigível.
A melancolia vem também da constatação de nossa insuportável ‘mesmice’…”.
O ex-seminarista, chamado de “padreco” pelos colegas de pensão, ao chegar na Cidade Maravilhosa, estava realmente decepcionado com a política e com os homens.
E o grande Ruy Barbosa – civil derrotado eleitoralmente pelo militar Hermes da Fonseca na campanha presidencial – também fez seu “desabafo” célebre no discurso proferido no Senado em 17 de dezembro de 1914:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se os poderes nas mãos dos maus – o homem chega a desanimar-se da virtude, rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
Quanto melancolia, quanto tristeza, quanta frustração! Chego a pensar que tais “desabafos” continuam atualíssimos.
São de ontem!
* Nascido em Missão Velha, no cariri cearense, é procurador aposentado do estado de São Paulo. Tem poemas e crônicas publicadas em Portugal e na Argentina. Autor de diversos livros e colunista do jornal O Progresso.