Da reportagem
Formada por estudantes e docentes, a Gravadora Experimental da Fatec (Faculdade de Tecnologia) “Professor Wilson Roberto Ribeiro de Camargo” está de “vento em popa”. Criada a partir de um núcleo de ensino da instituição, a iniciativa visa ampliar a vivência prática dos alunos e soma 12 álbuns lançados.
Contudo, o número de artistas contemplados é maior. “Difícil contabilizar”, inicia o coordenador do curso de produção fonográfica, José Carlos Pires Júnior. De acordo com ele, nos seis primeiros trabalhos, a equipe do núcleo de técnicas de gravação (o embrião da gravadora) não se envolveu no lançamento.
“Fazíamos apenas a parte técnica, ou a captação, ou a mixagem, ou a masterização, porque o projeto vinha de fora. Então, como o projeto já estava rodando, executávamos uma parte, mas não fazíamos a pós-produção”, conta.
Do sexto em diante, o núcleo ampliou a participação. Passou a dar suporte para os artistas, o que inclui preparação para a definição sobre qual tipo de plataforma escolher para a distribuição da obra. No caso da Fatec, a prioridade são as distribuições online, que possibilitam disseminação da arte.
“Começamos a perceber que isso era importante para o artista, porque ele também não sabia o que fazer. E virou um processo de pré-produção”, conta.
As orientações envolvem treinamento dos artistas em vários aspectos. O principal deles é a preparação para a gravação em estúdio. Conforme Pires, boa parte dos músicos ainda não sabe como se comportar em um local de gravação. “Qualquer falha que passaria no ao vivo, ali (no estúdio) não passa”, aponta.
Para maximizar o uso do espaço, o professor e a equipe de docentes e estudantes desenvolveu um protocolo, visando capacitar os músicos sobre como proceder. Só depois que os artistas estiverem “bem ensaiados” é que a gravação começa.
Com isso, Júnior conta que a Fatec está expandindo o processo técnico, foco da disciplina que ele leciona no curso. Primeiro, porque consiste na parte de pré-produção (a preparação dos artistas), e segundo, por complementar a pós-produção, que é o acompanhamento do artista até o lançamento.
Este é o caso do 11º disco lançado com o selo da Gravadora Experimental. Trata-se do trabalho do angolano radicado no Brasil Pupa Kanda. No final do primeiro semestre deste ano, ele estreou o álbum “Ngungu Njila” (“Imigrantes”).
Júnior explica que a equipe da gravadora esteve envolvida em todas as etapas do trabalho. Os preparativos incluíram até um show de lançamento, realizado em São Paulo, em uma casa de shows. Os alunos da instituição viajaram à capital paulista para acertar os detalhes e captar as imagens do show.
Para o próximo projeto, o professor antecipou que a equipe pretende a inclusão em um circuito musical (especificamente integração ao Sesi – Serviço Social da Indústria – que, em geral, realiza a seleção por meio de editais).
A intenção é que os alunos possam trabalhar em um plano de gestão de carreira dos artistas que fazem as gravações nos estúdios da instituição.
Na parte prática, a ideia da Gravadora Experimental é selecionar projetos fonográficos, executá-los e torná-los públicos. “Esta é a função. A gravadora pode ter segmento de música clássica, popular e jazz e, para cada um deles, há um selo. O que fazemos é emular, para o aluno, o processo todo que acontece no mercado fonográfico, desde a seleção à realização”, detalha Júnior.
De acordo com o professor, no mercado fonográfico, quem financia o projeto de um disco é a própria gravadora. Para isto, ela precisa contar com equipamentos e pessoal para que, no final da cadeia produtiva, possa obter lucro.
No caso da Fatec, a Gravadora Experimental não visa receita, mas o ganho acadêmico. Os artistas selecionados recebem um produto fonográfico que é doado para que, com o material, eles possam seguir carreira.
“Ocorre uma troca pedagógica, porque os alunos são treinados, e uma troca publicitária, porque o artista sempre vai vincular o nome da gravadora ao trabalho dele”, explica.
De acordo com o professor, o resultado desta interação é que, durante a divulgação, os artistas ajudam a fixar a imagem da instituição. Também expandem a capacidade de ensino do campo epistemológico para o prático mais abrangente.
O curso de produção fonográfica existe na Fatec desde agosto de 2010. Atualmente, conta com 216 alunos matriculados, vindos de várias partes do Brasil.
“É um curso que atrai pessoas de várias vertentes, sendo músicos e profissionais de outras áreas, desde graduação aos que estão concluindo doutorados”, acrescenta o vice-diretor da Fatec, professor Anderson Luiz de Souza.
Conforme ele, a formação técnica é oferecida pelo Ceeteps (Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza”) apenas em Tatuí e a única gratuita do país. Por este motivo, o curso atrai pessoas de todas as partes do Brasil.
“Uma questão muito importante de ser frisada é que todo o trabalho feito aqui é a custo zero para os artistas. A contribuição deles – e isto é a nossa intenção – é atrair grandes nomes e até um ganho de imagem para a instituição”, ressalta.
O diretor da Fatec, Mauro Tomazela, acrescenta que a unidade é pública e, como tal, tem como interesse principal capacitar melhor os alunos. O objetivo é que eles possam deixar a entidade “mais bem preparados para o mercado de trabalho”.
“Essa gravadora é importante para fortalecer as atividades práticas do curso e contribuir com a sociedade como um todo. Isto faz com que as pessoas tenham maior rentabilidade, gerem empregos e consigam ser mais competentes”, diz.
A Gravadora Experimental não visa lucro, mas dispõe de infraestrutura completa para permitir que os artistas independentes tenham a oportunidade de crescer.
Para os alunos, trabalhar nos projetos representa ganho de competências. Também significa mais chances profissionais. “Eles podem vir a se tornarem empreendedores no futuro”, acrescenta Tomazela.
Pensada para ser um projeto de RJI (regime de jornada integral), a Gravadora Experimental da Fatec é oriunda de uma atividade de pesquisa do professor Júnior. Com o fim de atividade, no período de três anos, o docente propôs a ideia, conseguindo oficializá-la após assumir a coordenação do curso.
Júnior aproveitou a estrutura do estúdio de gravação para tornar a ideia ativa, como um órgão dentro do curso. Todos os professores da graduação técnica estão envolvidos na iniciativa.
São eles que orientam e trabalham os conceitos de pré, produção e pós-produção com os estudantes, na teoria e na prática. O papel dos alunos é o de realizar as tarefas, sempre sob a supervisão dos professores.
“No projeto de um álbum, por exemplo, que é longo (demora seis meses), os estudantes atuam sob supervisão direta”, conta Júnior. Este é o caso do álbum de Pupa Kanda. No trabalho, os estudantes assinaram todas as etapas.
Tomazela acrescenta que o mais importante é que “todas as atividades desenvolvidas pelos professores acontecem dentro da Fatec”. E cita que a estrutura contribui para projetar novos trabalhos e mostrar o potencial dos estudantes.
Um exemplo disto é o trabalho do quarteto de flautas “Quinta Essência”. Júnior conta que os artistas buscavam apenas uma direção musical, mas acabaram sendo convidados a gravar no estúdio da instituição.
Os músicos pensaram em fazer um financiamento coletivo para bancar os custos da produção de mídias físicas, distribuição, registros e a parte gráfica, além das fotografias.
“Em uma turnê em Mineápolis, nos Estados Unidos, o quarteto foi contatado pela ARS Production, selo alemão, e se encontra nas ‘megastores’ do mundo inteiro. Esse trabalha leva o nosso selo da Fatec”, menciona.
Júnior diz que, além da marca da Gravadora Experimental, os nomes de todos os alunos que colaboraram no projeto constam no trabalho que está “no mundo todo”.
Entretanto, para ajudar quem não tem a mesma sorte, a instituição tem parceria com a CD Baby, uma distribuidora mundial com versão brasileira e sem custos para os artistas. Os músicos são cadastrados na plataforma, que fica encarregada de distribuir as obras nos serviços de “streaming”.
O lucro das reproduções vai direto para os artistas e possibilita que novos projetos sejam concluídos. Este modelo é muito mais barato que o convencional. Segundo o professor, mil cópias de uma mídia física, por exemplo, saem por R$ 8.000. “Com a mídia digital, nós aumentamos o espectro de trabalho, porque qualquer pessoa do mundo poderá ter acesso”, ressalta.
Na internet, conforme Júnior, a média no Brasil é de 80 lançamentos por semana. A maioria dos trabalhos é apresentada ao público toda sexta-feira, aumentando a concorrência e dificultando a distribuição de quem não tem apoio.
Por este motivo, o professor enfatiza que a Fatec dá todo o suporte para os artistas de primeira viagem. “Quando tudo está pronto, nós entregamos as contas para eles”, conclui.
Alunos e artistas
Dos projetos selecionados e já finalizados pela Gravadora Experimental, boa parte é de alunos da Fatec. No entanto, Júnior argumenta que este não é o principal critério para contemplar um projeto. Conforme ele, há “casos e casos”.
Um dos projetos selecionados, por exemplo, é resultado de interação com um canal do YouTube, chamado Elefante Sessions. Basicamente, os vídeos apresentam artistas em performances ao vivo.
Uma parceria estabelecida com o canal possibilitou a gravação de clipes, disponibilizados a custo zero para os músicos. Dos nove grupos selecionados para a parceria, seis eram de alunos do curso de produção fonográfica.
“Esta é uma forma de transformar o aluno do curso em artista. Se algum deles quiser somente produzir, também pode. Basta escrever o projeto”, adiciona.
Júnior ressalta que a avaliação leva em conta a exequibilidade do projeto. Em outras palavras, se é possível produzir e lançar o trabalho e em quanto tempo.
No geral, o professor conta que os alunos têm de seis a sete meses para atuar em todos os processos, da pré-produção ao lançamento. “Se um aluno chegar com um projeto na manga, viável, ele será executado”, complementa.
O prazo é estabelecido porque, conforme Júnior, além dos alunos, a Gravadora Experimental precisa contar com todo o suporte da Fatec. É necessária a montagem de equipes de execução (formada por produtor musical, produtor executivo e engenharia técnica) e programar a sessão de gravação. Depois, o trabalho bruto vai para a mixagem e, em seguida, à masterização.
A produção executiva fica encarregada de fazer a distribuição, o cadastro dos artistas nas plataformas digitais e nos órgãos pertinentes. É nesta etapa que os trabalhos precisam do ISRC (Código de Gravação Padrão Internacional).
As obrigatoriedades ainda incluem cadastros na UBC (União Brasileira de Compositores), filiação junto ao Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), órgão que regulamenta o recolhimento de direitos autorais, e o registro autoral.
“Nós pegamos todas estas informações e realizamos os procedimentos necessários para que os alunos aprendam como parte das disciplinas”, diz o professor.
Para o diretor da Fatec, é exatamente neste ponto que os alunos têm maior ganho profissional. Sendo artistas ou não, os estudantes conseguem acompanhar – e aprender – como funcionam todas as etapas de produção de um trabalho.
“O objetivo é que o aluno aprenda, porque ele pode tanto se tornar um artista como exercer o aprendizado em outros campos do mercado”, pontua.
O curso é dividido em três eixos. No primeiro, de gestão, os estudantes contam com salas dotadas de projetores e aparelhos de som, para exemplificação de conceitos musicais, e salas especiais com computadores com acesso à internet.
Para o segundo, o musical, há duas salas tratadas acusticamente, evitando que o som externo entre e o interno “vaze”. Nelas, os alunos têm aulas de percepção, e realizam toda a prática musical, o que inclui ditado, leitura e solfejo.
No eixo técnico, o áudio, a infraestrutura é maior. “Isto não quer dizer que ele tenha o maior peso e nem a maior contribuição em tempo de trabalho”, diz Júnior.
É nesse eixo que estão um laboratório com 21 estações de trabalho (com um computador, uma interface e softwares para produção de música, mixagem e masterização).
O estúdio em si tem 800 metros quadrados, divididos em 550 metros quadrados para a sala de gravação e o restante para a sala técnica de áudio. O complexo conta, ainda, com sala com capacidade para 40 alunos, além de uma sala de masterização e mixagem separada e uma sala de edição com cinco estações de trabalho. Esta última pode ser utilizada fora do horário de aula.
O recurso técnico é de causar inveja. São quase 200 unidades de vibrofone, divididos em 16 categorias. “Temos versões reais de tudo o que tem no mercado e que é utilizado em qualquer estúdio de grande e médio porte”, conta Júnior.
O sistema de gravação também é um dos mais modernos, com capacidade para trabalhar com 64 canais de gravação e reprodução, além de monitores de alto desempenho. “A gravadora é exatamente como um estúdio de grande porte, e tem mais espaço. Esta que é a vantagem”, avalia o coordenador.
Segundo ele, a infraestrutura recebeu elogios do maestro João Carlos Martins. “Ele disse que nunca viu, no Brasil, um estúdio com som de sala de concerto”, conta.
Júnior explica que esta era a intenção do estúdio, visando possibilitar parceria com grupos de câmara, bandas e orquestras do Conservatório de Tatuí.
A instituição, aliás, é um dos principais motivos pelos quais o curso de produção funciona em Tatuí, conforme o vice-diretor da Fatec. Segundo ele, a capacitação técnica atende a uma vocação da cidade e fomenta o “arranjo produtivo local”.
Tomazela acrescenta, por fim, que a parceria com a escola de música é “muito profícua”. E diz que os formandos podem atuar em diversas funções, entre as quais, como assistentes, técnicos e produtores de estúdios.
Também são capacitados para atuar na produção de eventos, na elaboração de projetos de acústica (para atender igrejas, clubes e casas de show) e gerenciamento de carreiras.
Os artistas contemplados são selecionados a cada seis meses. Júnior descreve que os proponentes devem apresentar projetos nos meses de junho e dezembro.
Mais informações sobre a Gravadora Experimental são fornecidas pelo fone 3205-7780.