Grosso modo – senão grosseiramente -, pode-se afirmar que a cultura é a maior responsável pela identidade dos povos, pelo que “são”, essencialmente. A cultura sustenta, por assim dizer, todo o conhecimento humano, perpetrado, formalmente, pela Educação.
E aí, entre tantos, há um grande problema, uma espécie de fenômeno da contemporaneidade: falar em cultura está virando sinônimo de palavrão.
E pior: o professor, aquele que tem como profissão, justamente, transmitir o conhecimento e que já vem tendo seu mister desvalorizado há tantos anos, agora passa a ser visto com desconfiança, como se necessitasse ser vigiado por agentes fardados do estado.
Não por acaso, inclusive, ao longo da história mundial, quando se quer restringir a liberdade e os direitos individuais, tal a pluralidade de pensamento, uma das primeiras ações é atacar a cultura – e a educação formal, por conseguinte.
Ainda de maneira superficial, seria algo como a “quebra da espinha dorsal” da identidade de uma nação, com o propósito de lhe reescrever a história, refazendo-lhe o corpo social feito um Frankenstein, cujas partes são montadas segundo os interesses – e delírios – daqueles que têm o poder nas mãos. De repente, se falta o coração nessa aberração, sem problema: importa são os músculos, mais eficazes para se espancar os desafetos.
Para se ter ideia, na prática, acerca de como se faz isso, novamente, basta atentar para a história, particularmente a 10 de maio de 1933, quando ocorreu, em Berlim, uma festiva queima de livros em praça pública (a “Bücherverbrennung”). O exemplo é tão claro e significativo que dispensa mais comentários.
Em meio à fogueira atual, no entanto, não é preciso incinerar publicações, queimar (literalmente) a literatura: bastam as “fake news” para tirar-lhes a credibilidade, para seguir instigando e impulsionando a confusão e, por derradeiro, o ódio.
Sucede que, na realidade, o ser humano ainda não conseguiu criar vida – feito a ficção de Mary Shelley -, como também a história não tem como ser refeita, a educação não pode ser apagada, tampouco se muda por completo e definitivamente a identidade de um povo.
Durante um período, não obstante, é possível, como se observa, o uso de certo torpor coletivo – exacerbado em momentos de conflito – em proveito a interesses de poder (daí porque, para muita gente, não interessa a “pacificação” do país). Mas, isto tem prazo – pelo menos, precisa ter!
Com fé nisto (tomara!), é possível sonhar que, mais à frente, o professor volte a ser valorizado, a educação seja reconhecida como o sustentáculo da civilização em detrimento à barbárie e, então, a cultura deixe de ser vista, rasteira e absurdamente, como algo supérfluo e “ruim” …
Por todos estes sombrios aspectos, é de muito bom gosto e oportuna a homenagem a Pedro Henrique de Campos no projeto “Ilustres Tatuianos”, promovido pela Secretaria Municipal de Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude, por meio de ação colaborativa entre o Museu Histórico “Paulo Setúbal” e o Grupo Seresteiros com Ternura.
O evento cultural tem por objetivo, exatamente, algo tão importante no momento: “resgatar a história” – no caso, de Tatuí e dos tatuianos. Neste mês, a edição é comemorativa ao Dia do Professor, celebrado em 15 de outubro.
Uma exposição de fotos retratando a vida de Pedro Henrique de Campos fica exposta no museu, situado à praça Manoel Guedes, 98, de terça-feira a domingo, das 9h às 17h, até 21 de novembro.
Campos é educador de carreira (e que carreira!), mas não apenas isso: provavelmente, é o tatuiano a mais valorizar a cultura local. Como se diz, “não perde uma”! Em praticamente todos os eventos culturais, lá está ele, registrando tudo com a inseparável filmadora e, ainda, encantando com sublime simpatia.
É um professor, amante da cultura, que, apesar de aposentado, segue resguardando a história (real), e em sua parte mais bela: pelas expressões artísticas. Carrega, assim, a dupla virtude de mestre por profissão e historiador por opção.
Em um momento tão delicado, vale o resgate de outra célebre expressão, eternizada por Tom Jobim e pelo “Poetinha”: “Ah, se todos fossem iguais a você”, caro mestre Pedro, sem qualquer dúvida, não haveria tanto conflito, tanta ignorância, tanta desumanidade.
Poderíamos, até, não estar vivendo em uma maravilha de mundo, mas, certamente, pelo menos não teríamos mínima razão para viver com tanto medo dos Frankensteins.