Cada um deve ter o direito de pensar e, sobretudo, expressar o que pensa. Isto não pode ser apenas discurso político, tampouco um princípio constitucional sem respeito na prática. Contudo, quando esse direito – sagrado, reitere-se – começa a prejudicar a vida alheia, o país todo, aí é necessária a reação de todos aqueles que ainda não foram infectados pelo vírus da insanidade coletiva.
Entre todas as áreas, provavelmente, a mais prejudicada pela crença alucinante em conspirações seja a de saúde – até porque, no pior dos prognósticos, pode resultar em mortes.
Noutras searas, é possível afirmar que, se o sujeito crê que o mundo não é uma bola, ok; se ele defende essa ideia publicamente, sem problema, é direito dele.
Entretanto, se o cidadão quer impor a teoria terraplanista para seus filhos, tanto ocorre a falta de respeito às convicções alheias – que podem ser as suas – quanto o reforço ao obscurantismo derivado da ignorância, – em detrimento ao conhecimento científico e ao próprio processo evolutivo da civilização.
Em outro exemplo, se o indivíduo opta por acreditar que toda a imprensa mundial compactua com um grande complô, orquestrado pelas grandes potências internacionais (salvo os Estados Unidos!), para atacar a soberania nacional, divulgando falsas imagens de incêndios na floresta amazônica, tudo certo – desde que isso não cause prejuízos ao país.
E, com este argumento, nem se considera a perda de recursos para manutenção de reservas e reflorestamento, como também nem vale a pena considerar insinuações contra ONGs, postas em suspeição a partir de meras ilações sem lastro.
Basta observar a questão econômica (que tanto ainda agride a população em geral). Existe um negócio aparentemente ignorado por muitas autoridades que pode ser, simplesmente, chamado de “imagem” – ou marketing, como queiram.
É simples de entender (claro, para quem está aberto ao diálogo, não com a visão turva pelos sectarismos): o país precisa de recursos, entre os quais, de investimentos externos para sair da crise. Correto?
Muito bem, para quem consome os produtos nacionais – e mais ainda para quem poderia decidir por investir no Brasil -, tanto faz quem põe fogo na Amazônia. Como, aliás, tanto faz onde fica a Amazônia, se no Norte do país, aqui ao lado de Pardinho ou na divisa de Bofete…
É Brasil! E pronto!
Mundo afora, propaga-se a imagem de um país que queima suas reservas naturais (as mais ricas do planeta), que acha que reserva florestal e índio não servem para nada e que demoniza organizações não governamentais. Se isto é 100% fato – ou não – (novamente), pouco importa!
O estrago já estará feito, com a incineração das possibilidades de o país se apresentar como alternativa séria e real para investimentos.
Afinal, quem vai se dispor a apostar em um país desses? Da mesma forma – e, talvez, pior ainda -, quem vai “consumir” os produtos exportados pelo país que queima floresta, que é, assim, tão “politicamente incorreto”?
Ninguém… O Brasil corre grande risco de assumir papel de vilão no planeta e, por mais que ninguém seja santo, todos querem distância de problemas, da “má imagem”, do “mau marketing”, dos produtos “não sustentáveis”…
Por sua vez, não seria surpreendente que mais essa falta de visão fosse fruto das tais teorias conspiratórios, as quais seguem causando estragos. Como observado no início, elas podem chegar a óbitos, como na área de saúde.
Exemplo disso pode ser notado aqui mesmo em Tatuí, onde já se registraram os primeiros casos de sarampo no ano (o segundo, nesta quarta-feira, 28), após muito e muito tempo de a doença ser tida como extinta.
Existe a falta de boa-vontade em particular dos pais, em razão, justamente, de a doença ter desaparecido? Com certeza. Mas, por outro lado, também a desatenção quanto às campanhas de imunização são resultado de mais uma teoria conspiratória, pela qual as indústrias farmacêuticas “só” querem ganhar dinheiro, mesmo que envenenando as pessoas – e, portanto, que não há necessidade da vacinação, como se várias doenças fossem imaginárias, tal as queimadas na Amazônia…
O resultado está aí, aqui, país afora: pessoas ficando doentes e, no pior dos casos, correndo risco de morte.
É pena que não existe remédio para tudo. Se houvesse, além da campanha contra o sarampo, na verdade, seria muito bem-vindo um mutirão de prevenção contra a ignorância, de cima a baixo de nossa epiderme social e política.