Há muito sabemos que os pais não podem deixar seus filhos o dia inteiro navegando na internet. Há muito tempo também não sabemos o que é mandar os filhos voltarem para casa depois de um longo dia brincando nas ruas. “As ruas estão perigosas”, “nela há violência”, “há um incentivo às drogas nas ruas”, “há maldade”, etc., alguns dizem.
Em partes, sem dúvida, não discordo destes argumentos. Os espaços sociais, como as praças, estão destruídos; e isso é um claro projeto de governo, que não quer que nos juntemos para sociabilizar.
É melhor deixar nossos filhos dentro de casa, sãos e salvos. O problema é que tanto os adultos quanto as crianças não perceberam que dentro de casa existe um vício tão poderoso quanto qualquer outro tipo de droga dentro das quatro paredes do lar.
Nós não ingerimos esta droga com a boca, mas com os olhos. Ela não causa problemas somente físicos, mas mentais. E nela, há mais violência e maldade do que na rua da sua casa. E para tudo isso, basta um clique.
Passamos mais de oito horas diárias em frente aos aparelhos eletrônicos. As pesquisas científicas mais recentes já têm aproximado o consumo de eletrônicos e de internet ao consumo de drogas.
Os anestesiologistas apontam que 30 minutos de uso de um tablet equivale a uma dose de Midazolan, um anestésico. Não à toa, a estudiosa Malena Contrera tem chamado atenção para o fato que nós nos denominamos de “usuários” nas redes.
Recentemente, os likes do Instagram foram ocultados. Houve uma revolta por parte de alguns usuários, demonstrando a tendência viciosa e obsessiva de se conquistar as curtidas.
Estudos da psicologia comportamental já haviam avisado que esta dinâmica de postar fotos e ser curtido é uma dinâmica de recompensa e de condicionamento que age na vontade de pertencimento grupal do ser humano: o ratinho aperta o botão e ganha a comidinha.
Com as praças destruídas, com a violência fora de casa, nós entramos de tal maneira internet a dentro que é comum escutar que uma família, dentro de casa, conversa mais por WhatsApp do que se reunindo na sala de estar. A internet e os aparelhos eletrônicos prometeram nos unir, mas acabaram nos separando ainda mais.
E não para por aí. Como diria Étienne de La Boétie, existe aí uma “servidão voluntária”. Enquanto um usuário passa oito horas do dia buscando e dando likes, as empresas por trás das redes sociais estão captando todos os dados emitidos pelo usuário.
Sabe aquela foto íntima mandada? O texto que você escreveu mas não postou? As fotos que estão como sugestão de postagem? Ou aquela pesquisa no Google que acaba aparecendo no Facebook?
Já aconteceu de você falar sobre algo e este algo aparecer como propaganda nas redes sociais? Tudo isso acontece porque, de alguma maneira, os nossos aparelhos eletrônicos nos vigiam 24 horas por dia. E nós estamos oferecendo voluntariamente toda nossa privacidade em troca de viciosos likes.
* Pesquisador, professor, doutorando em comunicação e cultura e pós-graduando em psicologia junguiana