A morte, tão antiga como o nascimento, deveria ser encarada com a maior naturalidade.
Mas não é. A morte choca, causa espanto, dor, emoção e luto. Tudo isso varia de pessoa para pessoa, de espírito para espírito, de alma para alma, segundo a visão de cada um sobre o grande mistério da vida e da morte. Para uns, ela é o “ponto final” da jornada; para outros, é mera “passagem” de um plano para outro. De qualquer forma, a separação “física” sempre machuca.
E é aí, nesse vácuo, nesse vazio deixado pela morte, que, felizmente, muitas vezes, surge a Arte para suavizar a situação, até porque a “Arte existe porque a vida não basta”– como dizia Ferreira Gullar.
Então, quando se enterra o corpo de um compositor, uma cantora, um cantor ou um músico, é comum ouvirmos o canto ou o solo instrumental de músicas que consagraram o artista morto, agora descendo, pelas mãos dos coveiros, à sua sepultura. A música é “a rainha das artes”.
Já presenciei, emocionado, enterros com música; enterros de queridos amigos e irmãos de emoções musicais…Não é fácil!
Mas, além da música popular de nosso tempo, há também a música fúnebre – as famosas “marchas fúnebres” de antigamente, executadas em procissões noturnas da sexta-feira da Paixão e em enterros de gente famosa. O famoso morto da sexta-feira da Paixão – o mundo sabe – é Jesus.
Nosso Ernesto Nazareth, compositor e pianista (1863-1934), tido como o “tradutor da alma brasileira”, inseriu, entre as suas mais de 200 composições a sua “marcha fúnebre” em 1927.
Para encerrar o presente texto, de título nada simpático, quero deixar aqui um pouco do fino humor do inesquecível Érico Veríssimo, na página 213 de seu notável romance “Incidente em Antares”, de 1971, Editora O Globo, quarta edição.
Vamos lá: “Formou-se finalmente o cortejo. À frente ia a Banda Municipal Carlos Gomes, vinte dois músicos que, a um sinal de Lucas Faia – encarregado pelo prefeito e pela família enlutada de dirigir a procissão – romperam a tocar algo que poucos da multidão conseguiram identificar como a ‘Marcha Fúnebre de Chopin’, pois, embora as duas clarinetas e os dois pistons conseguissem emitir sons que se pareciam com o da conhecida composição, uns trombones alucinados tomavam a liberdade de enxertar notas que o compositor jamais escrevera para aquela peça, um flautim frenético entrava em ‘trêmolos’ desesperados, talvez com a louvável intenção de simular soluços, enquanto uma tuba roncava como um animal ferido no fundo de uma toca, e um tambor surdo, coberto de crepe, tentava, mas em vão, marcar a cadência da marcha. Lucas Faia aproximou-se do maestro e recomendou: “Devagar, chefe, para o povo poder acompanhar a pé o enterro!”…
* Escritor e procurador público do estado de São Paulo