Semana passada, o assunto abordado neste espaço foi o “tal” empreendedorismo, termo em grande voga, fortemente identificado a inovação, arrojo, desenvolvimento e outros termos afins ao progresso. E, muitas vezes, tem mesmo tudo a ver com isso. Entretanto, no Brasil, nem sempre.
Na verdade, o surto de empreendedorismo do momento tem mais a ver com o “Deus nos acuda” do que com qualquer outra coisa. O sujeito que perdeu o emprego e precisa pagar as contas que vão se acumulando não tem outra opção senão “empreender”.
E como ele o faz? De infinitas formas, cuja imensa maioria não acontece por meio de uma inovadora e grande empresa, mas em uma simples garagem, por exemplo, de onde nasce uma nova microempresa individual na área de gastronomia, vendendo cachorro-quente…
Por certo, o sucesso deste microempreendimento vai depender – como o de todos os demais – de diversos fatores, para o enfrentamento dos quais é preciso pesquisa, preparo, preços competitivos, publicidade e apuro dos produtos e/ou serviços.
Daí porque, infelizmente, boa parte das novas empresas fecha as portas já no primeiro ano de existência. Esta é a face Medusa dos negócios; já sua beleza Afrodite é que os pequenos são cada vez mais responsáveis pela geração de empregos.
E, como repetido à exaustão neste pobre país em crise, emprego garante renda, que gera consumo, que estimula produção, que necessita de contratações, criando ainda mais vagas de trabalho.
Interessante estudo a respeito foi abordado em artigo divulgado à imprensa, nesta semana, pela Adetec, uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, fundada em 2001 para apoiar iniciativas no domínio das políticas públicas na cidade de Lins e região.
Ela é uma associação formada por empresas privadas, centros universitários e entidades do poder público, que trabalham com o objetivo principal de executar atividades relacionadas a desenvolvimento, tecnologia, empreendedorismo e inovação.
Observa a associação que, ao se falar em empreendedorismo, “logo vem à cabeça cases de sucesso em que alguém teve uma ideia e a tornou uma grande multinacional. São bons exemplos, mas são casos excepcionais que ajudam a movimentar a economia do país”.
“Às grandes empresas, nessa missão de ajudar a economia, se juntam de forma expressiva as pequenas empresas. O número de micros e pequenos empreendedores cresce consideravelmente ano a ano e, hoje, eles já são os responsáveis por garantir mais da metade dos empregos formais no Brasil. Por esse e outros fatores, são igualmente importantes para o desenvolvimento econômico das cidades e do país como um todo.
Em 2018, de acordo com o levantamento da MEI Fácil, houve um crescimento de 18% na abertura de CNPJ para microempreendedor individual (MEI) no país. Foram cerca de 2 milhões de cadastros, recorde absoluto no setor, se comparado ao 1,7 milhão de novos cadastros abertos em 2017.
Segundo dados do Sebrae, a quantidade de microempresas no Brasil saiu de 2,65 milhões, em 2009, para 4,14 milhões, em 2017, e deve atingir 4,66 milhões, em 2022, ou seja, de acordo com tais estimativas, essas empresas representarão um crescimento de 75,5% em um período de 23 anos.
Eugênio Brito, consultor de inovação da Agência de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico (Adetec), aponta que são os micros e pequenos empreendedores que sustentam o país em crises financeiras.
‘Eles não mandam funcionários embora, pois precisam deles, diferente do que acontece com uma grande empresa que, à vista de qualquer crise, demite um número gigantesco de funcionários’, observa.
De acordo com dados do Sebrae, na crise econômica que atingiu o Brasil entre 2014 e 2016, as médias e grandes empresas chegaram a demitir 2 milhões de funcionários; já no mesmo período, o número de demissões para as micros e pequenas empresas foi de cerca de 900 mil.
Segundo dados do IBGE, as micros e pequenas empresas representam cerca de 27% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Brito lembra que qualquer pessoa pode ser um microempreendedor.
‘É preciso, apenas, estar disposto a buscar ajuda e capacitação para aprender sobre a gestão de uma empresa. Atualmente, são criadas inúmeras atividades profissionais que abrem possibilidades de novos micros ou pequenos empreendedores, mas, é preciso a capacitação correta de acordo com cada negócio’, afirma.
As profissões vão sendo criadas e formadas a todo instante em função das inovações que ocorrem no mercado todos os dias. Muitas vezes, as pequenas cidades são movidas com as micros e pequenas empresas, no entanto, nas grandes cidades, elas também têm um papel fundamental, pois garantem a diferenciação nos produtos e o surgimento de novos segmentos de mercado.”
Dois aspectos, portanto, devem ser ressaltados quanto ao “tal” empreendedorismo: primeiro, como muito bem lembrou o consultor, o MEI é muito mais seguro até para o funcionário, vez que a maior estabilidade que lhe é inerente parte do fato de que as micro empresas, pelo convívio diário e tão próximo entre patrões e empregados, são como famílias, em que não se “descartam entes queridos” mesmo durante graves crises.
E segundo: a superação desta crise pode – e deve estar – muito mais próxima da população que de alguma reforma milagrosa.
Na verdade, pode-se concluir que a própria população é a maior geradora de empregos e riquezas, ao passo que seus governos, ao longo da história, têm sido os mais ferozes devastadores do mercado de trabalho e incineradores de dinheiro.