Menos de quatro anos depois do desastre da Samarco, em Mariana, tido até então como a maior tragédia ambiental da história do Brasil, Brumadinho, também em Minas Gerais, sofre com o rompimento de outra barragem de dejetos minerais da Vale, causando um dano ainda maior que o incidente anterior.
Em 2018, a Hydro Alunorte, mineradora localizada no município de Barcarena, no Pará, também sofreu um transbordamento de seu depósito de água contaminada, provavelmente ocasionado pelas fortes chuvas de verão. Dessa forma, são três acidentes gravíssimos ocorridos em um intervalo de três anos.
Três tragédias sociais e ambientais, sendo duas de responsabilidade da mesma empresa, a Vale. Todos esses casos mostram que há um deliberado descaso à gestão em nosso país.
Infelizmente, o modelo administrativo das empresas brasileiras está muito mais focado em remediar os problemas do que em preveni-los. O mesmo pode ser notado com os recentes problemas com pontes na cidade de São Paulo. Enquanto não há um problema instaurado, ninguém pensa na manutenção preventiva.
Todos os prejuízos humanos, ambientais e financeiros poderiam ter sido evitados com uma medida muito simples: a implementação de um sistema de gestão, baseado nas metodologias das normas ISO.
Esse sistema é uma ferramenta eficaz para garantir que a empresa atenda aos requisitos necessários para evitar novos desastres, fraudes de documentação, além de dar a devida resposta em caso de acidentes, de maneira a minimizar danos.
Em Mariana, foram 230 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo afetados, não só pela inutilização da área pelos próximos cem anos, graças aos agentes contaminantes, como também pelo suprimento de água, morte de fauna e flora da região, afetando inclusive sua economia.
Até hoje, a Samarco pagou apenas 1% dos R$ 4 bilhões de multa aplicados a ela. Dá para imaginar que em Brumadinho a situação não deve ser muito diferente. A impunidade compensou os riscos, fazendo com que a negligência levasse a uma tragédia ainda maior.
No exterior, o modelo de gestão “vista grossa”, definitivamente, não compensa. Em 2010, a plataforma petroleira Deep Water Horizon da Trans Ocean explodiu, gerando vazamento de óleo por três meses no Golfo do México, despejando 600 milhões de litros de poluentes no mar.
A empresa pagou US$ 22 bilhões de multa e teve de gastar mais US$ 32 bilhões com a limpeza. Ela perdeu 35% de seu valor de mercado nos meses que se seguiram. Esse tipo de acontecimento costuma fazer com que a empresa repense toda a sua gestão, tirando lições importantes das tragédias.
A gestão de risco lá fora não é vista como uma obrigação a mais. Ela faz parte do negócio. É uma das bases para o seu devido funcionamento. A gestão adequada, inclusive, permite que práticas anticorrupção sejam aplicadas.
O Brasil ainda é o país em desenvolvimento com o menor número de empresas certificadas em diversas normas, inclusive considerando suas renovações periódicas. Nos últimos cinco anos, perdemos quase 80% das certificações internacionais ligadas a algum tipo de gestão (ambiental, saúde ocupacional, riscos, qualidade, continuidade de negócios, entre outras).
Segundo dados do Inmetro, saímos de 30 mil empresas certificados em 2015, para pouco mais de 6.000 no fim de 2018. Isso demonstra como a cultura brasileira não enxerga valor na prática de gestão, vendo isso como um ônus, um custo, e não como uma ferramenta para melhorar a maturidade e qualidade dos produtos e serviços prestados. Enquanto não desenvolvermos uma maturidade de gestão voltada ao planejamento e à gestão de risco, infelizmente, continuaremos sendo vítimas dessas tragédias.
* Engenheiro mecânico, bacharel em física aplicada pela USP e fundador da Palas, consultoria em gestão da qualidade e inovação.