Nem sempre é preciso muitas palavras para dizer grandes coisas (aliás, quase nunca), como bem demonstrou a jornalista Mariliz Pereira Jorge, na Folha de São Paulo. Sob o título “Salvadores da pátria”, ela assinou artigo em que analisa os perigos dos extremismos ocorridos nestas eleições.
Basicamente, o maior perigo seria o fim da democracia, posto que, claramente, um e outro candidato fazem campanha para presidente, no momento, mas com pretensão a ditador, em futuro próximo, seguindo os modelos de países governados indefinidamente pelas mesmas figuras – e aqui tanto faz se de direita ou esquerda.
Não obstante, esse maior perigo é sustentado exatamente pela perda sistemática e acelerada do valor da própria democracia – conceito cada vez mais abstrato.
Aparentemente, à grande população, interessa, “apenas”, poder pagar as contas do mês, garantir um mínimo de educação para os filhos na escola pública e não morrer em fila de hospital ou na mão de bandido.
E está errada essa maioria? Não, claro que não! O problema é o “apenas”, pois o país também precisa de democracia para melhor alcançar esses justos desejos. E isto é que está sendo ignorado. Pior ainda: retoma-se a ideia equivocada do tal “salvador da pátria”, o sujeito superdotado e super-honesto, que em tudo dará jeito.
Fora o fato de que a história recente do país prova o contrário (basta lembrar a vergonha que o Brasil passou com a eleição do “caçador de marajás”, em 1989), vale levar a sério as máximas de que uma andorinha só não faz verão, sendo que a união faz a força.
Por mais bregas que sejam tais ditados, verdade é que o país precisa de união e paciência, tanto para tolerar aqueles que pensam diferente quanto para aguardar a amenização dessa inédita crise, que não ocorrerá de maneira rápida ou milagrosa, seja pelo blá-blá-blá demagógico, de um lado, quanto pelo tiro na testa, de outro.
Não cabe à imprensa – em editorial particularmente – tomar partido, sob risco de perda de credibilidade. No entanto, não é este o caso, apenas legítima preocupação com o futuro do país, de todos nós, portanto. Neste sentido, é muito pertinente a atenção quanto às ponderações da jornalista, que seguem transcritas:
“Antes mesmo de a campanha começar, não eram raras as cenas do deputado Jair Bolsonaro sendo recebido em aeroportos por multidões. Ainda que não tenha em seu currículo grandes feitos, não é difícil entender a razão dessa idolatria: ele foi alçado ao posto de herói que vai ‘salvar’ o Brasil do PT. Para seu eleitor, isso basta.
Não por acaso, o único político com tratamento semelhante é Lula. Por ele, seus seguidores fazem vigília, greve de fome, tatuam sua imagem no corpo, adicionam seu nome nas redes sociais. Você consegue imaginar Geraldo Alckmin sendo chamado de mito ou que alguém imortalize o rosto de Marina Silva no braço? Nem eu.
Bolsonaro e Lula podem estar em lados opostos, mas seus eleitores agem de maneira idêntica ao tratá-los como salvadores da pátria. Tem coisa mais século passado do que isso? Ignora-se que políticos são servidores públicos, deveriam ser fiscalizados, cobrados e ponto. Essa adoração parece incompatível com sociedades politicamente desenvolvidas. Mas, por aqui, esse comportamento soa como eco embolorado de políticos que se consideram deuses, com suas lutas ideológicas e arcaicas.
Essa polarização imbecil protagonizada por esquerda e direita é um veneno para a democracia. Seus candidatos não estão disputando uma eleição para assumir a responsabilidade de cuidar de um país, mas uma guerra em que os perdedores (os eleitores oponentes) são ameaçados desde já com retaliação.
Com esse clima de torcida e de revanche, se o próximo presidente sair de uma dessas extremidades, frustração, raiva e a divisão do país chegarão a níveis insuportáveis. A grande questão é que, entre os outros candidatos, não desponta um líder possível, como fica claro pela quantidade de eleitores indecisos. Muita gente vive uma sensação de desalento ao pensar que não há uma alternativa que lhes salve dos salvadores da pátria e que faça um bom governo”.
É isso: desalento, algo que ainda pode elevar ainda mais o índice de abstenção e acabar beneficiando alguém menos equilibrado para, senão ajudar, pelo menos atrapalhar o mínimo possível o país nos próximos quatro anos.
Fala-se muito em “mudança”, mas sem se considerar que, às vezes, a mudança acontece para pior. O que mais o Brasil precisa é de tolerância, competência, equilíbrio e respeito (generalizado!).
Esperança – marca inata do brasileiro – também é sempre bem-vinda. Pena que parece estar também se esvaindo, tal o apreço pela democracia.