O que se passa na paisagem da consciência quando se dorme? E quando esse sono é docemente ninado pela carícia da bela música? O que acontece na cabecinha de uma criança, quando a mãe canta durante o soninho leve, soninho de passarinho?
Não sei. É assunto para os entendidos.
E por que essa minha curiosidade?
Explico. Certa noite, no Rio, saímos para ouvir música numa casa de “Choro”. Ainda era o tempo da “cidade maravilhosa cheia de encantos mil…”
Que espetáculo! Bandolim, flauta, cavaquinho, violões de seis e sete cordas, pandeiro, timba. Choros sapecas, tristes, alegres, lentos, dolentes, valsas cantadas… e nossas velas enfunadas sobre as ondas calmas da madrugada sem tiroteios, sem balas perdidas, sem vítimas.
Estávamos na Penha, esquina de uma pracinha, restaurante acolhedor e música fascinante.
De repente, apareceu no palco uma cantora esbanjando juventude, beleza e simpatia. Começou a desfolhar sambas de doer…, doer tudo, não só o cotovelo!
Choveram aplausos masoquistas com direito a lenços discretos passeando por alguns rostos e o consumo de cervejas cresceu. Os músicos entraram em estado de “graça” e vi copos espumantes levantando e levitando em triunfo em várias mãos.
De súbito, descobri, em um canto do palco, sobre uma mesa, o nenezinho da cantora carinhosamente agasalhado numa cesta de vime grande, como aquela em que o menino Moisés foi colocado nas águas do rio Nilo.
Contemplei os circunstantes em nossa mesa forrada de garrafas e nada pude falar. Emoção avassaladora e silenciosa.
Hoje, depois de tanto tempo decorrido, eu gostaria de saber que destino teve aquela criança que tanto me emocionou na remota madrugada carioca… Onde ela está?
Estará cantando, embalada nos segredos e na delicadeza de seu mundo onírico da primeira infância? Estará, a exemplo de sua mãe, e apesar do Rio de hoje, afagando nostalgias e declamando dores de cotovelo para tantos que procuram no altar das madrugadas a exaltação dos sentimentos amorosos e das nostalgias que não se apagam?