A interação entre um grupo de índios da tribo kuikuro e os alunos da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Tatuí deu início ao projeto “Intercâmbio Indígena”, do Sítio Santa Rosa, na manhã de segunda-feira, 2.
Desenvolvido ao longo do mês de abril, por conta do Dia do Índio, celebrado no dia 19, a iniciativa consiste em oferecer uma experiência de imersão na cultura indígena para grupos de crianças entre 4 e 10 anos, estudantes do ensino infantil ao quinto ano das escolas públicas e particulares.
Os alunos da Apae puderam conversar com os índios, tiveram o rosto pintado como se fossem membros da tribo e viram, de perto, os objetos utilizados no dia a dia das aldeias.
“Nós trazemos os índios aqui, através de parcerias com as aldeias, para as crianças terem um contato direto e poderem vivenciar como que é a casa do índio, o artesanato, as brincadeiras, música e dança. Quem explica isso não é o monitor, e sim o próprio índio”, conta o coordenador pedagógico do sítio, Flávio Augusto Medeiros.
O projeto existe há 15 anos e, pela quarta temporada consecutiva, é feito com membros da tribo kuikuro, a maior em população da região do rio Xingu, com mais de 600 membros. O grupo de oito índios, composto por dois casais e quatro crianças, percorreu trajeto que durou três dias e que passou pelo transporte por barco, ônibus e avião, até chegar ao Santa Rosa, onde irão ficar durante todo o mês.
No período, aos índios irão receber estudantes de várias partes do Estado de São Paulo, de segunda-feira a sexta-feira. Além da interação, os kuikuros irão produzir artesanato, além de expor o que trouxeram diretamente do Mato Grosso. Todos os dias, o sítio vai receber grupos de até 150 estudantes. A programação conta com período de experiência com os indígenas e outro com atividades ao ar livre.
Os índios receberam os alunos da Apae para dinâmicas como o arco e flecha, zarabatana e arpão. Também expuseram os artesanatos e promoveram bate-papo, a partir de objetos e fotografias relacionados à vida na tribo.
Para potencializar a experiência, os alunos são recebidos em diversos ambientes, andam pela mata, conhecem a casa de barro (típica da tribo pataxó, que já passou pelo sítio) e a oca (onde são dadas explicações sobre moradia e costumes). Durante os 15 anos do projeto, já passaram pelo sítio as tribos xavante e umutia, do Mato Grosso, e pataxós, da Bahia.
O coordenador argumenta que o material didático apresentado atualmente nas escolas sobre o assunto é limitado, “mostrando o índio como se fosse algo único, como se não existissem mais índios ou apenas uma única tribo”.
“O Brasil tem 110 etnias que falam 90 línguas diferentes. A variedade cultural indígena é muito grande. Por isso, a gente sempre troca a etnia que está aqui, para mostrar as diferenças do que comem, a maneira como se vestem e o tipo de moradia”, informou Medeiros.
O tempo de permanência das tribos no projeto varia conforme o desempenho dos representantes, priorizando os que mantêm os hábitos originais. “Os livros não passam a dimensão que tem o índio do sul ao norte e de leste a oeste. Eles passam como se fosse um ser de outro planeta, sendo que, no Brasil inteiro, podemos encontrar tribos de índios”, explicou.
Os kuikuro habitam três aldeias no sul do Parque Indígena do Xingu, primeira terra indígena homologada pelo governo federal. Falam a língua cuicuro e uma de suas principais características é o fato de não consumirem carne, somente algumas espécies de peixes. A tribo também é conhecida pela forte ligação com a espiritualidade.
Em todos os anos os alunos da Apae fazem a abertura do projeto. A atividade já está na agenda do mês de abril da entidade. Para este ano, 140 alunos, de até 29 anos, participaram. Pela primeira vez, os assistidos do período da tarde também foram convidados e puderam participar.
“Mais uma vez, nós estamos tendo a oportunidade de vir aqui conhecer esse projeto do índio e, desta vez, trazendo um número maior de alunos”, comentou a professora Denise Ferreira, que trabalha na Apae há 16 anos.
“Tudo o que eles fazem aqui no sítio auxilia muito o trabalho que nós vamos fazer durante a semana em sala de aula. A gente aproveita toda essa vivência e experiência com a cultura e traz para as atividades em classe, e isso acaba ajudando a fazer um intercâmbio no aprendizado”, concluiu Denise.
Segundo Fabiana de Oliveira Bandeira, diretora pedagógica da Apae Tatuí, a proposta da entidade busca a acessibilidade dos assistidos por meio de projetos de atividades de campo, com visitação de padarias, lanchonetes, o Dia do Índio e outros lugares comuns.
“Essa visita gera muita informação para eles, que ficam bem ansiosos para conhecer novos lugares. Nós só temos a agradecer por essa oportunidade”, acrescentou a diretora. Durante as interações, por exemplo, os alunos da Apae puderam saber que os kuikuros ainda preservam hábitos que tinham nas décadas de 60 e 70.
Segundo ela, a atividade disponibilizada gratuitamente pelo Sana Rosa colabora para o desenvolvimento dos alunos. “O contato com outras culturas auxilia no desenvolvimento e no aprendizado”, concluiu.
Para conseguir viabilizar a experiência, o coordenado do Sítio Santa Rosa conta que vai pessoalmente às tribos para escolher os índios que possuem alguma vivência com a língua portuguesa e, assim, têm maior facilidade para se comunicar.
“Da mesma maneira que, entre nós, temos os que são mais tímidos, entre eles, não é diferente. Vou ao Xingu, passo 15 dias e escolho quem vem. Passo para eles como será o trabalho e como é feito o projeto”, conta Medeiros.
O coordenador explica que alguns índios do atual grupo estão saindo pela primeira vez da aldeia, embora participem de projeto, realizado pelo Parque Nacional do Xingu, de interação com os brancos.
“O intercâmbio é feito dos dois lados. Os índios também vêm para conhecer a nossa cultura. Nós saímos passear com eles e mostramos a cidade, os pontos turísticos e os lugares que são diferentes da realidade que encontram na aldeia”, explicou.
O índio Kanapa Kuikuro, de 28 anos, conta que a experiência de sair da aldeia é uma oportunidade de conhecer o que ainda não chegou aos outros membros da tribo, além aprimorar a língua portuguesa.
“Ainda tenho muita dificuldade em me comunicar em português. As mulheres sentem mais dificuldade ainda. Acho que elas ficam mais envergonhadas”, opinou o índio.
No ano passado, Kanapa participou de outro grupo, de 45 índios, que veio para Juquitiba (SP) fazer um trabalho semelhante ao realizado no Sítio Santa Rosa.
“Aqui é mais tranquilo, lá é muito mais movimentado. Tinha carro perto da casa em que ficamos, e aqui não tem. Dá para as crianças andarem sem problema pelo sítio”, disse Kanapa.
O proprietário do local, José Roberto Medeiros, explicou que o sítio é totalmente adaptado para receber os novos visitantes.
“Além das interatividades com os índios, as crianças podem participar da trilha ecológica, passear de trator, visitar a caverna e brincar na piscina de pedra”, explicou.
Ele reforça que “todo o espaço foi preparado visando preservar o meio ambiente, distribuído em 24 hectares. “Precisamos valorizar as nossas raízes, e a cultura indígena é um marco para a história do Brasil”, concluiu.