Nesta semana, iniciativa na área social do município chamou a atenção pelo aspecto inédito. Ela buscou orientar famílias atendidas pelo programa Bolsa Família, do governo federal, a não perderem o benefício.
Para reduzir o número das que estão descumprindo regras do programa, o Cras (Centro de Referência em Assistência Social) Leste realizou, segunda-feira, 19, palestra de conscientização na Fatec (Faculdade de Tecnologia) “Professor Wilson Roberto Ribeiro de Camargo”.
O Cras Leste convidou cem famílias, daquela região, que estariam descumprindo as condições requeridas para a ajuda financeira. Dessas, apenas 47 compareceram.
O Bolsa Família exige, principalmente, que os responsáveis por crianças as mantenham na escola e em acompanhamento médico nas unidades de saúde.
De acordo com a coordenadora do Cras Leste, Josefina Berti dos Santos, a iniciativa de realizar palestra voltada às famílias que estão em descumprimento do programa é inédita.
Para ela, a nova divisão de atividades, promovida pela Secretaria Municipal de Trabalho e Desenvolvimento Social, deve facilitar o contato entre as famílias atendidas pelo Bolsa Família e o programa, eliminando o caráter burocrático e “humanizando o atendimento”.
“O sistema do Bolsa Família nos manda a notificação de que determinadas pessoas estão descumprindo as condicionalidades, e nós entramos em contato. Como conhecemos parte dessas famílias, é mais fácil para a gente”, explicou.
O descumprimento das condições do programa tem três fases de notificações: advertência, bloqueio do benefício e suspensão.
Para os responsáveis terem o dinheiro liberado pelo governo, as crianças com até 15 anos precisam ter frequência escolar acima de 85% e os adolescentes, de 75%. A checagem de saúde deve ser realizada a cada seis meses e a vacinação das crianças estar em dia.
“Na parte da saúde, os postos realizam a pesagem, a medição da altura e o acompanhamento médico das crianças. As enfermeiras conferem as vacinas e registram no sistema. Quando não é feita a checagem, o sistema nos avisa”.
Para entenderem a importância do acompanhamento médico das crianças, a enfermeira Eliana Mari de Moura, da UBS (Unidade Básica de Saúde) do Jardim Santa Rita de Cássia, foi convidada para palestrar sobre doenças na infância.
“É obrigação de todas as famílias fazerem esse acompanhamento médico na infância. Então, com base nisso, o governo exige que todos os beneficiários enquadrados no perfil saúde do Bolsa Família façam essa checagem no posto de saúde”, contou Eliana.
A enfermeira explicou que determinadas vacinas não podem deixar de ser aplicadas. Uma delas é a que combate o rotavírus humano, doença que causa diarreia grave e pode matar.
A escritora e treinadora comportamental Juliana Lustosa dy Miranda também ministrou palestra. Ela deu explicações sobre como enfrentar dificuldades financeiras com foco na solução de problemas e na “autorresponsabilidade”.
“As pessoas têm o que eu chamo de síndrome do avô, elas replicam o comportamento dos pais, que, por sua vez, imitam os dos pais deles. Precisamos tomar consciência do que fazemos”, declarou Juliana.
A coordenadora do Cras Leste fez um balanço positivo do evento, apesar de menos da metade dos convidados terem comparecido. A iniciativa, segundo Josefina, representa um passo em direção à regularização das famílias junto ao Bolsa Família.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, órgão federal que gerencia o programa, o Bolsa Família beneficiou 3.366 famílias no mês de maio em Tatuí. O número representa 85,2% do total de famílias consideradas pobres. Elas recebem, em média, R$ 145,78.
Em relação à condição escolar, das 4.307 crianças e adolescentes com até 15 anos que fazem parte do perfil educação (com acompanhamento escolar), 94,7% cumpriram a meta de frequentar mais de 85% das aulas.
Dos 676 adolescentes com idade entre 16 e 17 anos, apenas cinco tiveram frequência abaixo do exigido (75%). Os dados são relativos ao mês de novembro do ano passado.
Já no perfil saúde, correspondente ao acompanhamento médico, a situação é preocupante, de acordo com a coordenadora.
Em dezembro do ano passado, das 2.804 famílias enquadradas no sistema, que atende crianças com até sete anos e mulheres gestantes entre 14 e 44 anos, 2.030 não haviam comparecido às medições e consultas. Das 508 crianças acompanhadas, 501 estavam com a vacinação em ordem e 506, com dados nutricionais completos.
Em novembro do ano passado, foram realizadas 34 advertências e seis bloqueios de benefícios. Outras 20 famílias tinham o benefício em fase de suspensão.
“Esse número não acho pequeno. Ter mais de cem famílias somente no Cras Leste é um número grande. É nessa parte que entra o trabalho nosso, de conversar com as famílias”, argumentou Josefina.
Com a palestra, a coordenadora disse esperar que as famílias assumam a responsabilidade com a saúde e a educação das crianças e adolescentes.
“Infelizmente, vejo que muitos pais transferem a responsabilidade da educação para a escola. Escolhemos aumentar essa cobrança e conscientizar os beneficiários do programa do que ver o número de descumprimento aumentar sem tomar atitude”, ressaltou.
Josefina contou que o evento é uma mudança de paradigma na relação entre o Cras Leste e os beneficiários do Bolsa Família. A experiência de segunda-feira poderá ser utilizada em outros Cras da cidade.
Na visão do professor Osvaldo D’Estefano Rosica, da Fatec Tatuí, “a sociedade espera que o Estado tenha maior controle sobre o programa federal e que cobre mais dos beneficiários”. “Acho que a principal contrapartida é que a criança vá para a escola. Isso é fundamental”, comentou.
O professor tem razão. Ainda, a maior justificativa para a continuidade do programa Bolsa Família é, exatamente, a exigência de os beneficiários manterem as crianças na escola. Em tese, isso garantiria o tal “futuro melhor” para o país – claro, desde que o ensino da escola pública seja de boa qualidade…
Ainda há outros argumentos a favor do programa, como o de que ele realiza uma distribuição de renda “forçada”.
Isto ocorreria por meio da distribuição de recursos públicos, recolhidos dos que pagam impostos (e, novamente em tese, de quem tem dinheiro), a quem se encontra em estado de necessidade. Por consequência, estes retornariam o dinheiro à sociedade, na condição de consumidores…
Com o perdão às irônicas reticências – com conotações óbvias -, dúvida não há somente quanto a um aspecto: o programa Bolsa Família se tornou moeda de troca eleitoral e, como tal, qualquer político que ousar questionar seus efeitos práticos e, principalmente, seus propósitos está condenado a perder eleição.
Ideal seria que esse contingente a perder o benefício – em Tatuí e no país todo – não estivesse nessa situação por desatenção às regras do programa, mas porque não mais precisa de ajuda. Contudo, essa não deve ser a razão e tão logo não será, infelizmente…