Câmara refuta Ficha Limpa por ilegalidade

Votação de parecer ao projeto aconteceu na noite de terça, 20, com defesas de projeto pelo autor e de relatório por presidente

Das dez matérias colocadas em discussão pela Câmara Municipal na noite de terça-feira, 20, apenas uma não teve aprovação. Proposta apresentada pelo vereador Rodolfo Hessel Fanganiello (PSB) ocupou a maior parte do tempo da penúltima ordinária da Casa de Leis antes do recesso parlamentar de meio do ano.

O texto, composto de seis artigos, não chegou a ser votado em plenário, por ter pareceres contrários aprovados pela maioria dos parlamentares.

Oito vereadores concordaram com os argumentos de Antonio Marcos de Abreu (PR) e Alexandre Grandino Teles (PSDB); quatro discordaram (queriam que o projeto fosse levado à discussão em primeiro turno); e dois se abstiveram.

Apresentado no dia 14 de fevereiro deste ano, o projeto, em síntese e se aprovado, impediria que pessoas com quaisquer pendências na Justiça assumissem cargos de comissão na administração pública.

Também vedaria a nomeação, por parte de quem estivesse nos comandos da Prefeitura e da Câmara Municipal, de parentes (incluindo “companheiros”) até o terceiro grau.

O impedimento seria estendido aos vereadores que ocupassem a mesa diretora ou a nomeados para cargos em comissão, com exceção dos servidores contratados por meio de concurso público.

Por ter similaridades com a lei complementar 135, de 4 de junho de 2010 – que prevê inelegibilidade por oito anos de políticos condenados em processos criminais em segunda instância, cassados ou que tenham renunciado para evitar a cassação –, o parlamentar apelidou o projeto de “Lei da Ficha Limpa”.

As restrições previstas na matéria foram contestadas pelo relator e pelo presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, Teles e Abreu, respectivamente.

Em pareceres, eles argumentaram que, diferentemente da “Ficha Limpa” – de iniciativa popular –, a proposta de Fanganiello era inconstitucional e ilegal.

Primeiro, porque competiria ao prefeito a iniciativa de projetos de lei que dispusessem sobre regime jurídico, providências de cargo, estabilidade e aposentadoria dos servidores; e segundo, em função de que ele feriria o artigo 61 da Constituição Federal, o qual prevê ser de “iniciativa privada do presidente da República a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração”.

Os integrantes da comissão também argumentaram que a aprovação da matéria poderia gerar conflito com a LOM (Lei Orgânica do Município). A razão é que a “lei maior” de Tatuí não contempla as recentes mudanças referentes ao provimento de cargos e os requisitos necessários para designações.

No entendimento dos edis, a aprovação seria um problema, por ser facilmente contestada pela inconstitucionalidade. Nos pareceres contrários, os vereadores incluíram jurisprudências (decisões anteriores) relacionadas a processos abertos contra prefeitos de outras cidades que precisaram responder na Justiça pelas sanções de projetos parecidos, aprovados pelas câmaras.

A matéria recebeu, ainda, parecer favorável, assinado pelo vereador Nilto José Alves (PMDB). O parlamentar divergiu do entendimento de Abreu e Teles, posicionando-se no sentido de levar o projeto à votação em plenário.

“Venho ressaltar o que já explanei no meu relatório à parte, que o povo almeja por uma administração pura e limpa. E nós vemos, aqui, voto contrário à iniciativa, por inconstitucionalidade. Mas, várias cidades, inclusive em São Paulo, a Câmara de lá aprovou o projeto ‘Ficha Limpa’”, argumentou.

Baseando-se na aprovação por outros municípios – mas de projetos distintos que tinham o mesmo propósito (impedir que pessoas que respondem processo na Justiça ou têm condenações por improbidade administrativa assumam cargos nas prefeituras e câmaras) – o vereador afirmou que os argumentos dos vereadores de Tatuí não se sustentavam.

Ele destacou que até mesmo os vereadores, para poderem ser diplomados, tiveram de atender aos preceitos da “Ficha Limpa”. Disse, ainda, que “aqueles que dirigem o município e ministram organizacionalmente a finança da cidade” também deveriam obedecer aos requisitos estabelecidos em lei.

O parecer de Alves – que é membro da comissão – não foi colocado à votação. A mesa determinou a apreciação apenas dos posicionamentos do relator e do presidente, contrários e que pediam o arquivamento da proposta.

Concordaram com o parecer contrário os vereadores Alexandre de Jesus Bossolan (PSDB), Teles, Abreu, Daniel Rezende (PV), Jairo Martins (PV), João Éder Alves Miguel (PV), José Carlos Ventura (PSB), Miguel Lopes Cardoso Júnior (PMDB), Rodnei Rocha (PTB) e Severino Guilherme da Silva (PSD).

Posicionaram-se contra os relatórios da comissão, que impedem o projeto de seguir: Eduardo Dade Sallum (PT), Alves, Fanganiello e Valdeci Antonio de Proença (Podemos).

Os vereadores Ronaldo José da Mota (PPS) e Joaquim Amado Quevedo (PMDB) – que assinaram o projeto na ocasião da apresentação à secretaria da Câmara – preferiram abster-se da votação. Eles também pediram, no decorrer do trâmite de análise da comissão, a retirada das assinaturas.

Desta forma, a autoria do projeto – que não chegou a ser votado – restringiu-se a Fanganiello. O vereador foi o primeiro a ocupar a tribuna, na discussão que durou dez minutos, conforme determina o regimento interno da Casa de Leis.

Fanganiello elogiou a defesa feita por Alves, o qual fundamentou o relatório favorável ao projeto no fato de haver precedentes de apreciação de matéria similar em outras 17 cidades.

O autor da proposta ainda citou que, mesmo “não havendo tempo” de adequação da Lei Orgânica, a sugestão dele não “mexia em remuneração, no cronograma ou qualquer aspecto de cargos”.

“Ela (a proposta) não priva a livre nomeação do Executivo. Ela, simplesmente, regulamenta uma questão que é primordial nos dias de hoje, no nosso país, que é a ‘Ficha Limpa’, sem corrupção e com transparência”, argumentou.

O parlamentar ainda apelou para que os colegas tivessem o mesmo entendimento, afirmando que a função de “dar o exemplo” seria da Câmara.

Fanganiello disse que o relatório de Alves trazia exemplos efetivos de aplicações da medida e classificou o projeto dele próprio como “solução para a reconquista da confiança da população na classe política”. “Se estamos sentados aqui, é porque a população nos quis e porque nós somos ficha limpa”, acrescentou.

Líder da administração municipal na Câmara e presidente da comissão que produziu os relatórios desfavoráveis à ideia de Fanganiello, Abreu utilizou a vez na tribuna para enfatizar que é favorável à aplicação da “Lei da Ficha Limpa”.

Entretanto, o vereador ressaltou que, ao analisar a matéria, verificou a inconstitucionalidade. “Este projeto tem alguns problemas”, argumentou.

Abreu ressaltou que apenas emitiu parecer desfavorável por ter entendido, depois de analisado o projeto, que ele continha “vícios de iniciativa e vício formal”.

O primeiro diz respeito à proibição de contratação de servidores por “outro poder”; já o segundo, seria uma “invasão do regime jurídico dos servidores do Executivo”, tarefa que só caberia a quem administra a Prefeitura.

A própria lei complementar, conhecida como Ficha Limpa, foi citada pelo vereador como exemplo de não interferência de um Poder sobre o outro. Abreu afirmou que a proposta surgiu de iniciativa popular, não partindo de nenhum deputado ou senador da República, sendo reconhecida pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Também sustentou que, se este fosse o caso do projeto de Tatuí, o fato de a Lei Orgânica ser antiga não teria efeito, uma vez que o projeto estaria “pari passu” com a Constituição Federal.

Outro problema verificado pelo parlamentar, na análise, seria referente a conflitos na legislação formulada por Fanganiello. Abreu afirmou que o artigo 3º do projeto, além de inconstitucional, violaria o princípio da presunção da inocência.

Neste trecho, o projeto proíbe pessoas que estejam respondendo a ação civil pública ou ação criminal (por atos de improbidade, crimes de responsabilidade e contra a administração pública) de exercerem cargos em comissão.

A restrição seria uma maneira de evitar que o comissionado, em função do cargo, viesse a obstruir a instrução processual ou a pressionar testemunhas.

“O artigo 5º, inciso 57 da Constituição diz que ‘ninguém será considerado culpado até transito em julgado de sentença penal condenatória’. Ou seja, pretende o autor deste projeto antecipar uma possível pena?”, questionou o vereador.

Ainda de acordo com ele, o mesmo artigo 3º seria contrário ao 1º da proposta. No parágrafo 5º do artigo 1º, Abreu citou que a lei prevê que pessoas com direitos políticos suspensos por decisão transitada em julgado ficariam impedidas de serem nomeadas para atuarem em cargos de comissão e confiança.

As menções são apontadas como conflitantes. “Este projeto está dizendo A e, depois, menos A. Pode ou não pode contratar?”, seguiu com as indagações.

Conforme o parlamentar, todas as situações levantadas apontaram os vícios mencionados. Em função disso, Abreu defendeu que os vereadores aprovassem o relatório contrário ao andamento da matéria, para evitar problemas jurídicos.

Mais manifestações

Sallum e Rocha também ocuparam a tribuna. O primeiro pediu para que o projeto pudesse seguir à votação; o segundo, para que a proposta fosse revista e, só então, voltasse a ser discutida.

Após a votação e seguindo regimento, Mota e Quevedo apresentaram justificativas para as abstenções. O vereador do PPS afirmou ser preciso ter cautela na aprovação de projeto de tamanha repercussão e sugeriu que os parlamentares do município copiassem o projeto aprovado em São Paulo “na íntegra”.

Já Quevedo argumentou que não teria condições de votar (favorável ou contrário) ao parecer, uma vez que não havia tido acesso aos relatórios da comissão.

Sobre esta questão, o presidente da Câmara informou que a pauta havia sido confeccionada pela secretaria na segunda-feira, um dia antes da votação.

Ele acrescentou que documentos ficam à disposição dos parlamentares no sistema on-line da Casa de Leis, e que os que não constavam na internet poderiam ser retirados pelos edis junto à própria secretaria.

A decisão gerou repercussão na internet, com a circulação de fotos dos dez vereadores que votaram a favor do parecer contrário. Por meio de redes sociais, alguns dos parlamentares divulgaram justificativas, com conteúdos idênticos.