Para entender.
Entender por que tivemos habitantes nesse território há milhares de anos e só termos sido “descobertos” em 1500; entender por que havia milhões de habitantes nas primeiras décadas após o tal “descobrimento” e depois disso ficaram restritos a algumas dezenas de milhares; entender por que é comum falar em “descobrimento do Brasil” se não havia um “Brasil”; entender por que os negros e os índios “contribuíram” na formação da sociedade brasileira se, em boa parte da história após o “descobrimento”, essas populações formavam a maior parte da população; entender por que Domingos Calabar foi o primeiro “traidor” da pátria se ele viveu em uma época na qual o território que hoje é parte do Brasil pertencia à Espanha e estava sob domínio holandês.
Entender por que D. Pedro I era português e nobre e foi a pessoa que trouxe a “independência” ao Brasil; entender por que, logo depois, ele fecha a constituinte e impõe um texto feito sob encomenda, manda matar seus desafetos, envolve o país em uma guerra inútil com a Argentina, arruína a economia nacional, é praticamente expulso e, até hoje, seu nome é lembrado em um feriado nacional; entender por que seu filho, D. Pedro II, manteve a escravidão por 48 dos 49 anos que governou e, mesmo assim, é conhecido como um sábio; entender por que a República não teve participação popular; por que uma das primeiras medidas do governo de Deodoro foi censurar a imprensa; por que, durante a República Velha, a questão social “era um caso de polícia”; por que Getúlio Vargas é lembrado e homenageado mesmo tendo sido um ditador sombrio e violento na maior parte de seu governo; entender por que, na primeira experiência democrática do país, entre 1946 e 1964, dos cinco presidentes, um se matou, outro renunciou e outro foi derrubado.
Entender por que Castello Branco assumiu prometendo uma transição rápida e os militares ficaram 21 anos no poder; entender por que a lei de anistia passou, apagando também os crimes dos torturadores; entender por que as Diretas Já não foram nem para votação, depois de milhões de pessoas terem dito “queremos votar pra presidente”; entender por que os planos econômicos de Sarney e Collor não deram certo e ninguém foi responsabilizado por isso; entender por que os preços pagos pelas estatais vendidas no governo Fernando Henrique foram tão baixos; entender por que o PT prometeu um governo ético e caiu na vala comum das transações mesquinhas.
O entendimento é a razão de se ensinar e aprender história. Entendimento que passa a funcionar como orientador em relação ao futuro. Chave de compreensão e definição de posturas. Afinal, estamos no mundo para mantê-lo e para transformá-lo. E, para isso, precisamos entender o que se passou até aqui. Como quem chega a um filme começado. Como quem chega atrasado em uma reunião. Como quem não estava prestando atenção e, por isso, perdeu uma oportunidade importante. A história é esse resgate e, ao mesmo tempo, esse roteiro. Entender o que se passou para compreender a bagunça do presente e balizar as ações. Por que o agir é a razão de existir no espaço público. E o agir é a política. E para agir é preciso entender. E por isso é que é tão importante o ensino da história. Simples assim.
* Doutor em educação histórica pela UFPR e professor de história do Brasil no curso Positivo.