Aproximadamente, R$ 15 milhões teriam sido transferidos indevidamente de contas de convênios e programas firmados pela Prefeitura com os governos federal e estadual entre os anos de 2013 e de 2016.
O dado é um dos seis itens apontados em relatório pela comissão de análise sobre possíveis irregularidades em atos e processos administrativos praticados no período.
O segundo documento – de um total de três a serem preparados pela “força-tarefa” que apura eventuais atos de ilegalidade – aponta uma série de situações que caracterizariam atos de improbidade administrativa.
A comissão produziu o primeiro relatório em março, avaliando medidas adotadas pelo setor de recursos humanos da administração do ex-prefeito José Manoel Correa Coelho, Manu.
O teor do documento foi divulgado à imprensa pelo secretário municipal dos Negócios Jurídicos, Renato Pereira de Camargo, no dia 27 de abril. Quase um mês depois, o titular tornou público o segundo relatório, que analisa o “financeiro” da Prefeitura.
Um terceiro – que ainda não começou a ser produzido – deverá trazer o resultado de apurações sobre contratos e licitações firmados nos últimos quatro anos.
“Vamos começar os trabalhos deste último relatório depois de realizarmos uma avaliação anterior e depois que finalizarmos o segundo”, declarou o secretário.
O levantamento do setor financeiro contém 13 páginas, três a menos que o relatório do RH – sem contar as documentações anexadas, com os detalhamentos. Mesmo assim, ele exigiu mais tempo da comissão.
“Tivemos um atraso porque estávamos levantando as contas, fazendo o rastreamento de retiradas e devoluções para ver aonde o dinheiro foi parar”, justificou Camargo.
A comissão contou com a colaboração de funcionários da tesouraria e da contabilidade. “Os servidores de carreira da Prefeitura foram quem nos abasteceram com dados para que pudéssemos chegar a conclusões”, contou o secretário.
Conforme ele, os mesmos servidores constataram, no início do ano, incongruências. Apoiados pelo secretário municipal da Fazenda e Finanças, Walter dos Santos Júnior, e pela equipe dele, os funcionários relataram ter encontrado situações “fora do normal”, reportadas à prefeita Maria José Vieira de Camargo.
“Ela determinou que se tomassem as providências, abrindo para apurações”, disse o presidente da comissão. O grupo é formado por 14 funcionários da Prefeitura, entre eles, servidores de carreira, comissionados e três secretários municipais.
Além de Camargo e Santos, compõe os trabalhos a titular do Planejamento e Gestão Pública, Juliana Rosseto Leomil Mantovani.
Em abril, os membros deram início ao que o secretário chamou de “pente-fino”. A equipe começou a analisar todas as medidas adotadas pelo Departamento Financeiro, mantendo especial atenção em situações específicas.
“Fomos analisando o que foi acontecendo com o dinheiro que entrava nas contas de convênios e nas contas de programas que não tinham reservas”, relatou.
O secretário explicou que, para este relatório, a comissão priorizou apenas análise das contas e não dos convênios. Camargo esclareceu que, toda vez que a Prefeitura celebra um acordo – com o governo federal ou estadual –, precisa abrir uma conta-corrente.
Ela é especifica para receber os recursos, que não podem, em hipótese alguma, serem retirados para outra finalidade a não ser a estabelecida.
No caso de convênios, as verbas são, em geral, aplicadas em obras de infraestrutura, como a construção de escolas, unidades básicas de saúde, pavimentação de ruas e avenidas, entre outras.
Já para os programas, os recursos mensais podem ser renovados, após um determinado prazo. Entretanto, os valores também não podem ser utilizados pela administração aleatoriamente.
Contudo, a comissão divulgou que o Executivo não obedeceu rigorosamente às regras. O documento descritivo que acompanha o relatório aponta a retirada de recursos – para outras finalidades – e a devolução de parte deles. Somente estas movimentações já caracterizariam atos irregulares.
Os saques teriam sido feitos de contas de 14 convênios diferentes, pelo menos. A maior retirada aparece de acordos para atendimentos variados de saúde. Do MAC (média e alta complexidade), consta um total de R$ 18,4 milhões sacados, com R$ 16,9 milhões devolvidos e R$ 1,4 milhão a “restituir”.
Teria havido, também, retiradas e devoluções das contas do PAB (Piso de Atenção Básica). Trata-se de um mecanismo criado em 1997, pelo qual o Ministério da Saúde envia recursos para custear procedimentos e ações de atenção básica à saúde.
De acordo com o descritivo, o Executivo teria autorizado a retirada de R$ 12,9 milhões, devolvido R$ 6,7 milhões, restando R$ 5,7 milhões a devolver. Também há registro de saque do programa Bolsa Família, no valor de R$ 381 mil, dos quais R$ 181 mil foram devolvidos à conta e R$ 200 mil, não.
Ao todo, a comissão apurou a retirada, classificada como indevida, de R$ 52,7 milhões, com restituição de R$ 39,5 milhões. A diferença entre o retirado e o devolvido é de R$ 13,1 milhões, os quais, com correções, vão para R$ 15,1 milhões.
Segundo o apurado pelo grupo de trabalho, os valores foram utilizados para pagar o salário dos funcionários públicos municipais e quitar débitos com fornecedores. Em três das contas, a Prefeitura teria autorizado saques e não reposto os valores.
Este é o caso do convênio do programa Brasil Carinhoso, que teve R$ 505 mil retirados. “O pior é que o dinheiro não ficou no caixa e nem houve provisão para que ele fosse reposto”, avaliou o secretário dos Negócios Jurídicos.
Conforme Camargo, “um ou outro convênio se salvou” de ter o dinheiro movimentado indevidamente. Além de irregular, o secretário disse que a situação resultou em dificuldade financeira para a atual administração, no início de gestão.
“Isto causou um desajuste nas contas da Prefeitura de uma forma sem precedentes. Nós teremos de devolver para as contas esse dinheiro. O problema é que não sabemos, ainda, como isso vai se dar. Estamos analisando”, contou.
Mais irregularidades
No total, a comissão apurou seis irregularidades, pontuadas no relatório como tópicos. O segundo deles diz respeito à contribuição previdenciária dos servidores públicos municipais.
De acordo com o secretário, a equipe financeira da administração anterior teria descontado 11% dos salários dos funcionários, mas não repassado esse percentual ao TatuíPrev (Instituto de Previdência Própria do Município de Tatuí).
O desconto é feito mensalmente e incide sobre os pagamentos regulares (pelos 12 meses) e o 13o salário. No final de 2016, no entanto, Camargo disse que a municipalidade não teria depositado o valor recolhido dos servidores para o instituto. O repasse teria de ter sido feito até 30 de dezembro.
Como a administração anterior não havia efetivado o depósito, o TatuíPrev notificou a Prefeitura no início deste ano. “Nós pagamos no dia 27 de janeiro, referente ao que o ex-prefeito deixou de quitar em dezembro de 2016”, sustentou.
De acordo com o secretário, a prefeita precisou dispor de mais de R$ 81 mil, sendo R$ 68.780,43 referentes à contribuição e R$ 13.013,69 de juros e multas. “Além da improbidade, do dano ao erário público, o ex-prefeito cometeu um crime, que é o 168-A (apropriação indébita), o que é pior”, acrescentou.
Uma terceira irregularidade apurada pela comissão seria ainda mais grave. Ela envolveria prestadores de serviços e a Receita Federal. Camargo afirmou que a Prefeitura deixara de repassar, para o órgão subordinado ao Ministério da Fazenda, o valor do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) retido pela municipalidade dos prestadores de serviços do município.
“Isto acarretou em R$ 951 mil, que precisarão ser devolvidos para a Receita. O problema é que há juros e uma multa gigante em cima disso. Temos de pagar essa conta, porque esse dinheiro não é nosso, é da Receita Federal”, ressaltou Camargo.
Segundo ele, a comissão apurou que as retenções vinham acontecendo desde 2014. A equipe acredita que o dinheiro, assim como os valores retirados de contas, tenha sido utilizado para pagamento de funcionários e fornecedores.
Também como irregularidade, a comissão elencou pagamento antecipado de uma empresa de segurança. O secretário afirmou que a companhia contratada para fazer monitoramento de prédios da Secretaria Municipal da Educação teria recebido o último pagamento no dia 29 de dezembro, dois dias antes do fechamento do mês.
“Normalmente, a empresa presta um serviço em um mês e recebe no seguinte, depois de empenhado. Neste caso, ela recebeu antes do prazo legal”, enfatizou.
Camargo também descreveu uma transferência de valor referente ao pagamento do seguro de trator adquirido por convênio firmado com o Ministério da Agricultura.
O veículo havia sido furtado da Secretaria da Agricultura e Meio Ambiente. Como possuía seguro, a Prefeitura pediu o pagamento do “prêmio” junto à seguradora. Contudo, o dinheiro teria sido retirado da conta.
Procurado pela reportagem, o ex-prefeito Manu divulgou nota na qual “esclarece que as informações são equivocadas”. Ele afirma que as situações relatadas pelo secretário “não correspondem à verdade e têm claro viés político”.
O ex-prefeito enfatiza que todos os atos de administração dele “foram baseados na absoluta e intransigente legalidade”. Acrescentou que, em “tempo e em esfera judicial, irá desmascarar todas as suposições inverídicas, com base em documentos que comprovam a total transparência e correção” do governo dele.