Órgãos e entidades responsáveis pelo atendimento de crianças e adolescentes devem apresentar, nos próximos meses, um fluxograma para o atendimento de vítimas de abuso sexual infantojuvenil.
O anúncio foi feito pelo juiz da Vara da Infância e Juventude, Marcelo Nalesso Salmaso, durante palestra no Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes, na noite de quinta-feira, 18, no auditório “Jornalista Maurício Loureiro Gama”, do Nebam (Núcleo de Educação Básica Municipal) “Ayrton Senna da Silva”.
Órgãos, conselhos municipais e entidades civis trabalham há mais de um ano na montagem do fluxograma que deverá auxiliar na denúncia e no amparo de vítimas de violência sexual.
“A ação faz parte de um projeto maior que vem sendo construído há um bom tempo para orientar as pessoas a respeito da violência sexual, principalmente os praticados contra as crianças e adolescentes”, declarou.
Segundo Salmaso, reuniões são realizadas para sensibilizar e orientar a rede de serviços que atuam em prol das crianças e adolescentes na cidade. A partir dos encontros, é montado o fluxograma “para garantir que a informação vá para frente”.
De acordo com o magistrado, o desenho do fluxograma está em fase final de elaboração. Um novo evento será agendado para a apresentação do projeto, que unirá poder público e sociedade civil organizada. “Assim que tiver bem discutido, vamos divulgar”.
“A nossa maior dificuldade, atualmente, é que a informação sobre abusos sexuais infantis fica no seio familiar, pois são praticados por pessoas conhecidas das vítimas, ou até por parentes”, argumentou.
Na opinião do juiz, muitas vezes as famílias ficam constrangidas em repassar a informação às autoridades. Entre as causas, estão a relação afetiva com o agressor, dependência financeira e, eventualmente, por se “colocar a culpa do acontecido na vítima”.
A falta de encaminhamento das denúncias de abusos sexuais gera “um circulo vicioso” deste tipo de violência. Quando a família opta por guardar para si os casos, as vítimas acabam por ser privadas de acompanhamentos psicológicos e podem apresentar o mesmo tipo de comportamento quando adultas, tornando-se abusadores, ponderou o magistrado.
“Queremos que as instituições e órgãos que lidam com as crianças percebam e estejam preparadas para ouvir carinhosamente e acolher essa vítima e, no momento seguinte, encaminhar a informação para que ela chegue ao sistema de justiça e o agressor seja responsabilizado”, explicou.
O juiz defendeu que o poder público e instituições articulem serviços para que a vítima seja cuidada e o trauma vivido por ela, tratado corretamente. Para Salmaso, tratar abusos somente no âmbito criminal e punitivo “é como enxugar gelo”.
“É um trabalho que vai além da educação formal, mas passa pela educação familiar. Queremos que as pessoas tenham uma cultura de paz, ao contrário do que vivemos hoje em dia, que é a cultura do medo, no qual as pessoas fazem ou deixam de fazer por medo ou pressão”, salientou.
Para o responsável pela Vara da Infância e Juventude, os casos de abuso refletem uma sociedade hierarquizada na qual “um enxerga o outro como objeto de satisfação de seus interesses”.
A presidente do CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), Daniele de Campos Moraes Mendes, lembrou o trabalho realizado pelo grupo responsável pela elaboração do fluxo de atendimento às vítimas de abuso.
“No ano passado, estivemos reunidos nessa mesma data e demos início a essa construção. Não ficamos parados nesse tempo. É um momento de reflexão, mas ainda precisamos vencer um longo caminho”, declarou.
O evento de conscientização sobre abuso sexual infantil contou com palestra dos advogados Viviane Fernandes e Denis Caramigo Ventura, ambos da Prodigs (Ação Pró-Dignidade Sexual).
A advogada explicou aspectos como as diferenças entre pedofilia e estupro, conceitos que são “misturados pela mídia” e “tratados como se fossem a mesma coisa”.
Viviane esclareceu que, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a pedofilia é considerada um transtorno de preferência sexual. Apenas 20% dos agressores de crianças e adolescentes sofrem da doença – de ordem psiquiátrica.
“Nós levantamos essas questões para esclarecer às pessoas as diferenças e os sinais que as crianças e adolescentes dão quando sofreram abuso”, contou.
Segundo a advogada, as famílias precisam conversar sobre sexualidade com as crianças e adolescentes para que se abra um “canal de comunicação”. Atualmente, na opinião de Viviane, o assunto é tratado como tabu.
“É importante conversar isso, pois os agressores, por vezes, estão próximos às famílias e às crianças. Eles ganham a confiança dos pais e acabam por minar a confiança dos pais nos filhos, para que, quando elas denunciem, ninguém acredite”, ressaltou.