Sem salário desde dezembro, equipe divulga que não aceitará mais pacientes a partir do dia 31
Médicos da UTI (unidade de terapia intensiva) da Santa Casa de Misericórdia de Tatuí divulgaram que podem iniciar paralisação no fim do mês. A equipe do único hospital público do município, que atende pacientes em estado grave, decidiu não aceitar novos prontuários caso não receba os salários em atraso.
Os profissionais estão sem receber desde dezembro do ano passado. De acordo com eles, a situação se tornou insustentável, uma vez que falharam as tentativas de negociação com a provedoria da Santa Casa, ocorridas desde janeiro.
De acordo com informações obtidas junto aos profissionais, pela reportagem, a paralisação não deve afetar os pacientes que já estiverem internados. A equipe não deve admitir novas internações, como forma de protesto.
Caso a greve dos médicos da UTI aconteça, os médicos continuarão tratando os pacientes que estejam ocupando os leitos. A unidade do município tem capacidade para oito leitos, mas apenas seis estão em funcionamento.
Na hipótese de a paralisação ser deflagrada, pacientes que precisarem dar entrada na UTI terão de aguardar vagas em outros municípios.
A equipe da UTI é composta por 11 profissionais que, em teoria, são responsáveis pela maior arrecadação do hospital. Isso porque o SUS (Sistema Único de Saúde) repassa em torno de R$ 478 diariamente (diária adulta) por leito.
Esse valor inclui os custos de exames, atendimentos assistenciais, tratamentos, transfusões, cirurgias e o próprio valor das diárias. O total recebido pelas unidades de terapia intensiva, por paciente, varia de acordo com o tempo de internação.
No prazo de um mês, um único paciente pode “render” à Santa Casa R$ 17.459,20. Como os cuidados variam de caso para caso, os custos reais podem não acompanhar os valores repassados pelo SUS, gerando recurso extra. Entretanto, o contrário também pode ocorrer, causando prejuízos.
Desta forma, a paralisação dos profissionais da UTI traria mais transtornos ao hospital. A Santa Casa trabalha para estabilizar as contas – tem déficit estimado em mais de R$ 20 milhões – e está se recuperando de duas greves.
A última paralisação foi resolvida no início deste ano, após o hospital ter recebido apoio jurídico da Prefeitura e obtido autorização judicial (liminar) para realizar contratualização.
O acordo firmado ainda em janeiro deste ano permite à Prefeitura repassar mensalmente R$ 832 mil ao hospital. O recurso deve ser empregado para pagamento de serviços, como internações, cirurgias eletivas, e para custeio da Santa Casa. No ano, o hospital deverá receber perto de R$ 9,9 milhões.
Segundo alegaram os profissionais ouvidos pela reportagem, parte desses recursos teria de ser usada para pagar os salários dos médicos da UTI. No entanto, segundo eles, os valores foram empregados em outras necessidades.
Não tendo perspectiva de solução, a equipe da unidade de terapia intensiva resolveu, por meio de assembleia, interromper a entrada de novos pacientes no fim do mês. Os médicos informaram oficialmente as autoridades nesta semana.
Eles encaminharam ofícios para as diretorias técnica e clínica da Santa Casa, à provedoria, à Prefeitura (com cópia para a Secretaria Municipal de Saúde), ao MP (Ministério Público) e ao CRM (Conselho Regional de Medicina).
De acordo com os profissionais, esta não é a primeira vez que os salários da equipe atrasam. Em setembro de 2016, os médicos da unidade tiveram o cronograma de pagamento adiado. Na época, a provedoria teria trocado parte dos profissionais.
A nova equipe também teria enfrentado problemas para receber em novembro. Já em dezembro, os médicos deixaram de ter os valores dos plantões depositados pela provedoria. Naquele mesmo mês, o hospital enfrentou greve dos funcionários da enfermagem (técnicos e auxiliares) e de serviços gerais.
Os médicos da UTI fazem 70 plantões por mês a um custo de R$ 1.300 por plantão. No período de 30 dias, a soma do holerite de todos os profissionais da equipe é de R$ 91 mil. A dívida da Santa Casa, nos quatro meses, seria de R$ 364 mil.
Como não conseguiram chegar a acordo com a provedoria, os profissionais optaram pelo protesto. Se efetivada, a paralisação afetaria o atendimento a pacientes em estado grave e gravíssimo. As internações na UTI são, em geral, feitas a partir do Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto”.
Se não houver entendimento entre o hospital e os médicos, o ambulatório deverá manter os pacientes até que vagas sejam disponibilizadas em outra entidade.
O início da paralisação está programado para a meia-noite do dia 31, uma sexta-feira. Profissionais que trabalham na unidade ouvidos pela reportagem lamentaram a possibilidade de paralisação dos serviços, mas alegaram que a greve “branda” é considerada a última medida, por não conseguirem “ver uma luz no fim do túnel”.
Eles também citaram que temem pelo futuro da UTI e da instituição, levando-se em consideração que os acordos propostos anteriormente pela provedoria não teriam sido cumpridos. Um primeiro acordo, fechado em dezembro, previa que o salário daquele mês seria pago em janeiro, o que não teria ocorrido.
Em janeiro, os médicos voltaram a fazer uma “mesa-redonda” com a provedoria para resolver o impasse. Na ocasião, saíram do encontro com a promessa de que teriam os vencimentos do mês pagos em fevereiro, de maneira parcelada. Entretanto, a diretoria do hospital teria voltado a descumprir as tratativas.
O acordo prévio incluía que o pagamento dos salários em atraso ocorresse em “várias prestações”, sendo a última no mês que vem. Alegando que os acordos não foram “honrados”, os médicos resolveram pressionar a direção do hospital.
A Santa Casa manteve negociações com os profissionais por meio de reuniões. Os médicos informaram que a diretoria chegou a explicar a situação, apresentando demonstrativos que corroboraram para a alegação de que o hospital não tem dinheiro suficiente em caixa para pagar os profissionais.
A equipe refuta essa informação, argumentando que todos os demais trabalhadores da Santa Casa estão com os salários em dia. A exceção seriam os médicos da UTI, responsáveis por atender pacientes politraumatizados (com fraturas múltiplas) em decorrências de quedas, acidentes automobilísticos e atropelamentos.
O setor também recebe pessoas com trauma de crânio, atingidos por projéteis de armas. Cuida de casos de pneumonia grave e infecções generalizadas.
Os médicos explicaram que as pessoas nessas condições precisarão ser transferidas para “qualquer unidade do Estado de São Paulo”.
Como as vagas são obtidas via Cross (Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde), não há como prever para qual unidade o paciente seria encaminhado. Neste caso, o remanejamento dependeria da disponibilidade de vaga.