Espetáculo adulto instiga debate e aponta para ‘ascensão de grupos’





Primeiro trabalho de Rose Tureck como diretora, a peça “Devaneios Poéticos em Cenas de Agreste” tem aberto espaços para o teatro tatuiano. Apresentado pela primeira vez em 2014, o espetáculo deixou os palcos do município e, neste ano, já contabiliza premiações em seis festivais competitivos.

A estreia aconteceu no teatro “Procópio Ferreira”, de onde saiu boa parte do elenco da peça. De lá, também, saíram atores que trabalham em outros projetos colaborativos. Entre eles, o Atores em Conserva, formado ainda pela diretora e pelo marido dela, o cenógrafo e iluminador do grupo, Jorge Colina.

Depois de uma excursão por sete cidades, o Centro de Estudo e Pesquisa em Cena programa nova apresentação em Tatuí. A participação se dará no próximo dia 8, dentro da Mostra Téspis, e está agendada para as 20h, no Procópio Ferreira.

A peça adulta é uma adaptação do texto Agreste (Malva-Rosa), do escritor pernambucano Newton Moreno. O enredo foi pinçado por Rose como fonte de inspiração para a apresentação de um TCC (trabalho de conclusão de curso). Em 2014, ela terminou os estudos de direção, com o então coordenador do Setor de Artes Cênicas e da Cia. de Teatro do Conservatório, Carlos Ribeiro.

Rose iniciou sua história com o teatro em 2010, quando fez curso voltado a educadores. Depois, estudou artes cênicas por três anos até ingressar na direção.

“Para a conclusão, eu teria que montar uma peça e, por sugestão do meu marido, eu escolhi esse tralho pelo qual fiquei horrorizada e apaixonada”, disse.

O texto original é considerado um “exercício narrativo” por conter diálogo apenas do segundo ato em diante. Para ser encenado por dez atores, precisou ser adaptado. “Eu queria muita gente no palco e um coro”, contou a diretora.

Com as mudanças, Rose conseguiu dividir o texto entre os atores Claudio Teles, Jeferson Rodrigues, Maria Carolina Taddei, Mira Ribeiro, Nicoli Costa, Rodrigo Vieira, William Rocha, Vinicius Oliveira, Jú Assis, Leticia Mota e Rafaele Breves.

A história contada é intercalada com apresentação de oito músicas, com participação de Lala Nelly (que assina a direção musical), Wender Campi e Nando Colina.

Antes de iniciar o trabalho que culminou na adaptação do texto, Rose entrou em contato com Newton. “Eu queria pedir a autorização dele para tanto, mesmo sendo para apresentações em festivais estudantis”, comentou a diretora.

Uma vez concluída, a peça “ganhou asas”. Na cidade, foi apresentada no Centro Cultural Municipal, na Sala Preta do Conservatório de Tatuí, no CEU (Centro Unificado de Artes e Esportes) e na Escola Estadual “Barão de Suruí”.

Também esteve presente em sete municípios do interior do Estado de São Paulo, sendo que desses, em apenas um (Campinas) para mostra não competitiva.

O mesmo deve acontecer em outubro em Pindamonhangaba. No mês que vem, o grupo tatuiano participará do Festil (Festival de Teatro Estudantil de Pindamonhangaba). A apresentação acontece no dia 23, um sábado, a partir das 19h.

A itinerância, especialmente por Tatuí, tem estimulado o grupo a desenvolver novos projetos. Rose conta que o núcleo de estudos tem proposta de levar o espetáculo para todas as escolas do município com alunos do ensino médio. O motivo é a “provocação” que o texto faz para um debate atual.

“Devaneios Poéticos” conta a história de um casal de lavradores que se conhece na roça. Etevaldo e Maria se apaixonam e fogem de onde moram para residir em outro lugar. Os dois são acolhidos em uma comunidade no sertão.

Eles vivem juntos – e bem – por 20 anos até quando ocorre uma fatalidade: a morte de Etevaldo. Deste ponto em diante, há uma reviravolta na vida da pobre Maria.

Até então, os dois eram vistos pela comunidade como pessoas honestas e de bem. Mas tudo muda quando as carpideiras decidem trocar as vestes do defunto. Elas descobrem que Etevaldo não era homem. “Era uma defunta”, conta Colina.

Quando isso ocorre, os mesmos vizinhos que tinham estima pelo casal passaram a exorcizar Etevaldo e a viúva. Maria é acusada de sujar o nome da cidade. Um coronel chega a proibir que o enterro aconteça nos limites do município.

“A peça traz toda essa polêmica, pois trata da intolerância, do amor incondicional do casal e discute até aonde chega a maldade do ser humano”, ponderou Colina. “Tudo isso é amarrado no final do texto”, emendou.

Mesmo sendo considerado “forte”, o texto é citado como ideal para ser trabalhado com adolescentes exatamente por provocar discussões sobre intolerância. A proposta é levar a temática para dentro das salas de aula, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Turismo no ano que vem.

A primeira “experiência” aconteceu na “Barão de Suruí”, a convite do professor Carlos Arnaldo Cruz Gonçalves. “A peça foi muito bem recebida tanto pelos estudantes como pelos professores por ter um tema interessante”, analisou Rose.

Para acontecer, o projeto que prevê a encenação em escolas do ensino médio depende de apoio da Prefeitura. A diretoria do centro de estudos explicou que o grupo tem custos e precisa de suporte. “Nós pretendemos buscar auxílio, principalmente, no que mais impacta que é o transporte”, argumentou.

Como a cenografia e os elementos de iluminação não são “rebuscados”, Rose disse que o grupo tem facilidade em levar o texto para qualquer ambiente. A cenografia, por exemplo, faz uso de elementos cênicos e de dois bancos.

Eles são “multiuso” e se transformam, ora em espaço para sentar, ora em caixão para carregar o corpo de Etevaldo e ora como degrau. “A peça não traz um cenário realista. Daí, conseguirmos apresentá-la em qualquer espaço”, conta o cenógrafo.

O espetáculo

“Devaneios Poéticos” tem 45 minutos de duração e é dividida em dois atos que são descritos como imperceptíveis aos olhos do público. O primeiro momento termina com a morte de Etevaldo. O segundo, começa com a descoberta do sexo do defunto.

Todo o enredo foi rearranjado para ser falado pelos atores. Isso porque o texto tinha somente a presença de um narrador no primeiro ato. Os atores são responsáveis por dar vida à narrativa e torná-la mais atrativa ainda aos espectadores.

Rose aproveitou todos os diálogos do texto original, para mantê-los e, com eles, o suspense em torno do final trágico. “Eu reforcei alguns pontos”, comentou. O resultado é como se os personagens contassem momentos que viveram.

Entre a escolha do texto, adaptação e ensaios, o grupo levou uma semana até primeira montagem. O grupo fez 15 ensaios que se multiplicaram. Todos acontecem na residência da diretora e após as 2h (a grande dificuldade do grupo).

Como não dispõem de um local para repassar o texto, os atores precisam buscar soluções. Também tentam conciliar as agendas para acertar falas e marcações.

Até este mês, o centro contabilizou premiações em seis festivais. O primeiro trabalho do grupo faturou estátuas de “melhor direção”, “melhor espetáculo” (por júri técnico e popular), “melhor iluminação”, “melhor maquiagem”, “melhor figurino”, “melhor sonoplastia” e “melhor espetáculo adulto”.

A meta para este ano é aumentar ainda mais a “coleção”. Para isso, os atores precisam de apoio. Interessados em contribuir devem entrar em contato com a diretora por meio de rede social (Facebook – basta procurar pelo nome).