Wilson Bertrami é um profundo conhecedor da história de Tatuí. Aos 88 anos, o professor aposentado relembra quando o pinheiro da praça Martinho Guedes começou a ser enfeitado, na década de 1950. Atualmente, a árvore, toda enfeitada, é a principal atração da cidade nos finais de ano.
“Eu me lembro, lá pelos anos 1950, um grupo de rapazes viu por bem iluminar nosso ‘Pinheirão’. Tinha o Salomão José, João Casado, Pedro Calume, Maurício Cardoso, tantos rapazes, que viram por bem enfeitar e iluminar o pinheiro do Jardim da Santa”, conta.
Os jovens formaram um grupo conhecido por “Clube dos 17”, o qual, posteriormente, tornou-se o Clube dos 13, conta Bertrami.
“Diziam que aquele pinheiro iluminado poderia ser a maior árvore de Natal do mundo. Naquele tempo, podia ir à Praça da Santa, tinha segurança. O povo era outro, era bom, amigo, se ajudava. Havia muita amizade entre vizinhos”, observa.
A árvore enfeitada começou a “atiçar os olhares” dos moradores de cidades vizinhas, que vinham a Tatuí, na época de Natal, para ver a decoração especial.
“A árvore ficou bonita, toda enfeitada, e era a atração não só para Tatuí, mas para as outras cidades vizinhas e outros Estados. Diziam que era a maior árvore de Natal do mundo, brasileiro é sempre exagerado. Mas, era digna de ver”.
Tatuí da década de 1950 era muito diferente da atual. “Havia poucos carros nas ruas, a segurança pública era eficiente e as pessoas mais gentis”, lamenta o professor.
O tatuiano daquela época tinha diversas possibilidades de diversão. Clubes, cinemas, praças eram os principais locais que a juventude frequentava.
“Tatuí sempre teve um povo ordeiro, seresteiro, musicista. Sempre teve, nas décadas de 1930 a 1940, festivais de música. A cidade tinha, no centro, três grandes cinemas. O Cine Teatro São Martinho era de uma beleza arquitetônica impressionante”.
Na época de Natal, a cidade ganhava novo clima. Os moradores, que já eram hospitaleiros e corteses, ficavam mais solidários, principalmente em relação aos mais pobres, sustenta o professor.
“Havia muita ajuda ao próximo, a quem não tinha. Tinha muitos pedintes, que a gente chamava de esmoleiros. A gente doava um brinquedo velho, uma roupa ou alimento. Todos tinham seu Natal, por mais pobre que fosse”, conta.
“Sempre teve comemorações, principalmente para os abastados. Mas, nem todo mundo tinha condições. Pelo menos um frango se tinha nas ceias natalinas. Todo mundo tinha um frango em casa, naqueles quintais grandes que tinha antigamente”, relembra.
Naquela época, o tatuiano era mais religioso, segundo Bertrami. As igrejas lotavam no final do ano. E os fiéis católicos não faltavam à “Missa do Galo”, realizada na véspera de Natal.
“A gente ia muito à igreja. A igreja era um leme, um norte, e sempre teve o papel de dar orientação. Hoje, as pessoas nem vão mais à ‘Missa do Galo’, que é a celebração do nascimento de Jesus Cristo”.
Filho de imigrantes humildes, Bertrami tinha um Natal comedido na juventude. Não deixava de ter a comemoração do dia 25, mas a ceia não era tão farta como o de outras famílias. “Não era um Natal poderoso, mas era bom”.
“Não éramos abastados, meu pai tinha muitos filhos, a família era grande. De modo que era difícil, pelo menos uma maçã nós ganhávamos. Já era suficiente, parece que a gente se conformava, diferente das crianças de hoje, que querem sempre mais”, argumenta.
Bertrami se casou em 1950 e, até hoje, está com a “namorada”, Cecília Bertrami. Do casamento, geraram três meninas. Atualmente, a família está grande: o professor possui sete netos e dez bisnetos.
“O Natal era uma alegria quando as meninas eram pequenas. A gente primava pela família; depois, pela religiosidade. Todas as igrejas faziam apresentações imitando o presépio. Havia trocas de mimos, convites para almoçar. Tinha muitos bailes. O povo comemorava o Réveillon”, relembra.
Os Réveillons, conta o aposentado, eram mais comemorados do que os atuais. O povo vestia as melhores roupas do armário e ia para os bailes promovidos nos clubes. Grandes orquestras davam o tom da noite de gala, junto a homens e mulheres em trajes elegantes e perfumados.
“O Réveillon era muito festivo. As moças se vestiam como divas, deusas, com cabelos esvoaçantes. Elas eram calmas, bonitas, perfumadas e elegantes com aqueles vestidos longos. A gente dançava com um lenço na mão, para não tocar na moça, tínhamos respeito. Os homens usavam smoking, gravata borboleta. Eram chiques e bonitos”, ressalta.
As roupas eram feitas em alfaiates, como o pai de Bertrami. O linho 120, importado, estava presente nas vestimentas mais caras, como as usadas nos bailes de Réveillon. Os produtos trazidos de outros países dominavam o mercado nacional, que tinha poucas indústrias.
As cores mais usadas nas viradas de ano daquele tempo eram as escuras, diferentemente de hoje, quando se costuma usar o branco.
“Usavam predominantemente roupas escuras, até mesmo porque as ruas eram de terra e tinha muita poeira. Usar branco era uma temeridade. Usava-se aquele terno risca de giz, cinza, marrom escuro”, detalha.
“Tinha gente que se aventurava a usar branco na virada de ano, mas era gente rica que fazia isso, pois usavam os poucos carros que andavam nas ruas”.
O aposentado afirma que, apesar de ter mudado para pior em alguns aspectos, o Natal de hoje é menos sofrido para os mais pobres que o de antigamente. Ele aposta que o investimento em educação é um meio de melhorar ainda mais a vida da população e, consequentemente, trazer Natais mais felizes.
“Na época em que eu era professor, os alunos tinham o maior respeito pela gente. Hoje, o professor não tem mais o ‘status’ que tinha na sociedade. Eu afirmo que o professor tem que saber pelo menos dez vezes mais que os alunos, para ter a admiração deles”, orienta.
O professor observa que o Natal deste ano está mais pobre para algumas famílias, por conta da crise econômica que se abateu sobre o país, mas que os próximos Natais serão “mais prósperos e felizes”.
“A gente tem que agarrar o leão pela juba e seguir em frente. Não podemos fraquejar na frente do problema. O negócio é erguer a cabeça e ir à luta”, finaliza.