Instalação que expõe processo de ‘autopenitência’ segue no MHPS





Cristiano Mota

Objetos de uso religioso estão espalhados por espaços e simbolizam uma narrativa das lembranças e do sentimento de culpa do autor

 

“Ptaki é a forma que encontrei para externar as más lembranças de um ato que cometi aos 13 anos de idade, por ordem de um superior”. Esse é o resumo da instalação que tem visitação até o fim do mês no MHPS (Museu Histórico Paulo Setúbal) pelo artista plástico Janderson Brasil Paiva, o Jan Brasil.

Composto por objetos-poema, Ptaki teve apresentação em Tatuí na noite do dia 2. A abertura contou com apresentação da Orquestra de Violoncelo do Conservatório de Tatuí, sob a coordenação de Tulio Pires. Ela segue até o dia 28.

A exposição consiste numa narrativa das lembranças e do sentimento de culpa de Jan por conta de uma tarefa realizada por ele, quando coroinha. Para o autor, a instalação representa a “metáfora de um processo de autopenitência”.

Em janeiro de 1994, o autor, então, adolescente, mudou-se com a família para uma cidade do interior de São Paulo. Em junho do mesmo ano, iniciou os serviços como coroinha e assistente da Igreja Católica Apostólica Romana.

Em meados de 1995, por conta de reforma no edifício da igreja e devido à necessidade de higienização, o padre, um senhor polonês de 80 anos, ordenou que Jan subisse à torre e exterminasse uma família de andorinhas, aplicando inseticida e bloqueando, com uma bola de jornal, o buraco que as aves habitavam.

“A encomenda conflitava com as minhas crenças, com a conduta dos santos que adotei como modelo e com a santidade que eu almejava para mim mesmo”, contou.

Jan relatou que insistiu para não realizar a tarefa, mas o padre se posicionou austero e irredutível. “Eu, que o admirava e o tinha como um representante de Deus, para não contrariá-lo e correr o risco de perder a sua amizade e o meu emprego, ultrapassei os meus limites e cumpri com a sua ordem”, disse.

Conforme o autor, a palavra Ptaki é de origem polonesa para denominar “pássaros”. Por essa razão, Jan a escolheu como título de trabalho. A instalação é composta a partir de objetos, cores e símbolos litúrgicos da igreja.

Ela inclui, também, trechos de orações, de um evangelho apócrifo, objetos cotidianos, desenho, poema, crônica, santinhos de papel em oratórios feitos com embalagens recicladas e uma ação poética (objeto-poema imaterial) para a interação com o público ao final das visitas acompanhadas por arte-educadores.

“A intenção é que a expografia represente uma Capela do Santíssimo, como as existentes nas igrejas católicas. A utilização da cor roxa e do silêncio faz alusão à quaresma da liturgia católica – um cenário metafórico de penitência, interiorização, reflexão e busca por remissão”, descreveu o artista.

Ele informou que escolheu 2015 para realizar a primeira montagem em função de um “ciclo de 20 anos” da execução dos pássaros. O ano também marca a celebração do centenário do padre e os 33 anos de idade dele, mesmo ano de vida atribuído a Jesus Cristo no período de morte e ressurreição.

A concepção da instalação iniciou-se em 2013, quando Jan completou 31 anos (número espelhado da idade de quando ele realizou o ato do qual se arrependeu). Ela também se derivou de uma crônica, escrita por ele em 2012.

A instalação é dividida em sete partes, iniciando-se pelo prólogo, composto por autorretrato póstumo, ícone de Nossa Senhora de Czestochowa e uma máquina de escrever portátil. O prólogo também conta com o poema “Quaresma”, um estudo da logomarca “Ptaki” e uma rocha coletada na cidade aonde ocorreu o ato. Os objetos estão dispostos em uma mesa de madeira.

Na fase “a ordem”, estão presentes uma hóstia e duas túnicas, sendo uma de padre e outra de coroinha penduradas em dois cabides de madeira. Também integram a composição do espaço hóstias e uma estola na cor verde.

A representação da “fé, referências e ensinamentos” é feita por meio de seis oratórios em papel, seis bolas de papel, lata de tinta spray e trechos de orações e cânticos datilografados em papel artístico. Parte dos objetos estão fixos em parede.

Na “quarta fase” (a torre) podem ser vistas uma casa de pássaro em MDF, uma escada americana dupla em madeira e um carrilhão de quatro sinos, em bronze. A composição conta, ainda, com fiação com soquete e lâmpada na cor vermelha.

O autor representou a “culpa” (quinta fase) com um genuflexório individual, um terço (de 95 contas pequenas) e um “manual da reza do terço”.

A penitência (penúltima fase) traz fotografias em “transfer” sobre lenços em algodão cru. Inclui, ainda, os “lenços dos Cirineus”, com imagens de torres de igrejas católicas dos lugares por onde os amigos de Jan Brasil percorreram.

A “comunhão” encerra o trabalho, em ambiente que traz argila e um aparelho sonoro para a reprodução de música, com trecho do Evangelho Apócrifo de São Tomé fixo na parede. Quem passa pela “última fase” vê, também, textos inseridos, como de apresentação e o poema “Quaresma”, do artista.

Sobre o artista

Jan Brasil tem 33 anos e nasceu em Santo André no dia 20 de janeiro de 1982. É pós-graduado no curso gestão cultural: cultura, desenvolvimento e mercado, pelo Centro Universitário Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), em 2012.

Tem licenciatura em história, pela Universidade Cruzeiro do Sul (2006) e formou-se técnico em museu pelo Ceeteps (Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza”), em 2009.

É assistente de ações técnicas na Acam (Associação Cultural de Apoio ao Museu Casa de Portinari) Portinari, desde 2008, para as atividades em parceria com o Sisem (Sistema Estadual de Museus), da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.

Atua em interlocuções e acompanhamento de exposições itinerantes, oficinas e palestras; visitas técnicas, assistência e relatórios de orientação a museus nas regiões administrativas; e na assistência da produção de eventos.

No projeto de documentação do acervo dos museus da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (2008 a 2010), participou do arrolamento dos acervos em várias instituições. Atuou como arte-educador em exposições da Caixa Cultural São Paulo (2007 e 2008) e estagiário na Sala de Artes Sergio Milliet, da Biblioteca Mário de Andrade (2005 e 2006) e na Biblioteca da UNIFAI, campus Ipiranga, (2004 e 2005).

Idealizou e produziu o Mosaico Br. Artes e Culturas, que em cinco edições, entre os anos de 2006 e 2008, propiciou espaço de apresentação para artistas pouco conhecidos ou em início de carreira, e grupos de manifestações culturais.