
Da reportagem
Aos 41 anos, o sociólogo tatuiano Felipe Jovani Tavares Moreira integra uma rede internacional de pesquisadores que estuda como as florestas podem sobreviver ao aquecimento global.
Morando no Canadá desde 2019, ele desenvolve doutorado em geografia e analisa como especialistas, profissionais e a sociedade avaliam a migração assistida de espécies arbóreas.
Conforme o sociólogo, o avanço das mudanças climáticas, as secas extremas e a morte acelerada de árvores em diversos países têm ampliado o interesse pela chamada “migração assistida”, uma estratégia em que populações arbóreas são “deslocadas” para regiões com clima semelhante ao que enfrentarão nas próximas décadas.
Entre os pesquisadores que estudam o tema, está o tatuiano, que atualmente reside em Sherbrooke, no Québec, onde cursa doutorado em geografia pela Université Laval.
Moreira deixou o Brasil em 2019 acompanhando a esposa, que havia sido aceita para um doutorado na área florestal. Formado em sociologia, ele iniciou o mestrado em geografia em 2021, concluiu em 2023 e, desde então, aprofunda o mesmo tema no doutorado. “Construí minha vida acadêmica aqui, mas sigo um ‘pé vermeio’. O Brasil sempre me acompanha”, afirmou.
De acordo com o sociólogo, as primeiras discussões sobre migração assistida de árvores surgiram ainda nos anos 1980, quando pesquisadores alertaram que muitas espécies não conseguiriam acompanhar naturalmente a velocidade das mudanças climáticas.
“O tema apareceu brevemente na Rio-92, ainda visto como arriscado. A partir dos anos 2000, no entanto, ganhou força diante da ameaça de extinção de espécies sensíveis, como a Torreya taxifolia, na Flórida”, complementa.
Ainda conforme Moreira, desde 2010, a estratégia vem sendo estudada de forma sistemática em diversos países e atualmente integra projetos-piloto no Canadá, Estados Unidos e Europa, entre eles, o “Dream”, do qual ele participa.
“O objetivo principal é aumentar a resiliência das florestas, protegendo espécies ameaçadas por calor extremo, secas prolongadas e novas pragas emergentes”, explica Moreira.
Segundo o sociólogo, a migração assistida segue protocolos rigorosos e envolve seleção de sementes mais tolerantes ao clima futuro, modelagem climatológica, análises ecológicas e genéticas e experimentos controlados antes de qualquer aplicação em maior escala. “Acompanhar o desempenho das mudas é parte essencial do processo”, acentua.
“Os projetos mantêm registros detalhados sobre sobrevivência, vigor e aclimatação das árvores, que podem levar muitos anos. É importante diferenciar a aclimatação, que avaliamos no curto e médio prazo, da adaptação, que acontece ao longo de gerações”, explica. Ele ainda salienta que sempre há risco de falha e que qualquer intervenção exige monitoramento prolongado.
“Os melhores resultados costumam ocorrer quando sementes de regiões com clima atual semelhante ao clima futuro projetado para o local de plantio são utilizadas, um padrão observado em estudos recentes do projeto Dream”, acrescentou.
O sociólogo declarou que o trabalho dele não se concentra apenas no aspecto biológico, mas também na governança e na percepção pública da estratégia. Seu doutorado tem como objetivo compreender como diferentes grupos (especialistas, profissionais do setor florestal e população) avaliam o uso da migração assistida no Québec.
A pesquisa é composta por três etapas: entrevistas com especialistas; um levantamento quantitativo com 1.048 participantes sobre aceitação social; e uma revisão internacional sobre os aspectos éticos, políticos e sociais envolvidos.
Moreira também comenta que parte do estudo já foi publicado na revista Frontiers in Forests and Global Change, em 2024, analisando a percepção de especialistas do setor. Outros dois artigos estão finalizados e em processo de submissão.
O sociólogo ainda integra a Dream Network (Desired Regeneration Through Assisted Migration), uma rede de pesquisadores do Canadá e dos Estados Unidos dedicada a estudar a migração florestal assistida.
“É uma estratégia com potencial, mas que envolve incertezas. Não traz resultados imediatos e precisa ser aplicada com cautela, transparência e participação pública”, afirma.
Segundo ele, não é possível afirmar que a migração assistida é uma solução definitiva, já que os resultados só podem ser plenamente avaliados ao longo de décadas, “porém, alguns experimentos vêm mostrando resultados promissores”.
No Québec, dados do projeto Dream indicam que oito das nove espécies plantadas tiveram taxas de sobrevivência “consideradas excelentes” após cinco anos, com média de 84%. Coníferas como Douglas-fir e Pinus contorta também apresentam bom desempenho em regiões mais ao norte nos Estados Unidos e Canadá.
Por outro lado, espécies com baixa diversidade genética, dependentes de solos muito específicos ou altamente sensíveis à seca, tendem a ter maior dificuldade de aclimatação.
Em se tratando de território nacional, para Moreira, a migração assistida poderia trazer benefícios em contextos específicos do país, como no cerrado, caatinga ou regiões do Sul e Sudeste sob forte estresse hídrico.
No entanto, ele afirma que a estratégia enfrenta obstáculos importantes: políticas ambientais rígidas, risco ecológico elevado e menor disponibilidade de “refúgios climáticos” frios rumo ao Sul, o que limita deslocamentos latitudinais.
“No hemisfério Sul, a lógica climática é diferente. O Brasil tem ecossistemas muito complexos. Por isso, a migração assistida ainda é pouco utilizada no sul global”, conclui.







