Santa Casa não vai parar o atendimento





Cristiano Mota

Diretores técnico e clínico, prefeito, provedora e secretária da Saúde responderam a perguntas da imprensa a respeito de ‘vazamento’ de conteúdo de dois documentos internos

 

Suspensão de atendimentos de retaguarda de especialidades junto ao pronto-socorro e interrupção de atendimento ambulatorial na Maternidade “Maria Odete Campos Azevedo”. As duas situações previstas em notificações internas “vazadas” à imprensa no início da semana foram descartadas pela diretoria clínica e técnica da Santa Casa na tarde de sexta-feira, 13.

Em entrevista coletiva convocada pela provedora Nanete Walti de Lima, os médicos diretores negaram que haverá qualquer tipo de paralisação. Também afirmaram que o hospital está tomando medidas administrativas e jurídicas para tratar do caso (a reprodução sem consentimento de documentos internos).

Na segunda-feira, 9, a diretoria clínica da Santa Casa encaminhou duas notificações à Secretaria Municipal de Saúde. Conforme a médica Maria Laura Lavorato Matias, a divulgação do teor delas gerou mal-estar entre os médicos e o Executivo, provocou pânico entre os pacientes e virou caso de polícia.

O hospital registrou, na tarde de quarta-feira, 11, boletim de ocorrência de furto. A médica explicou que os documentos internos são parte de negociações entre a classe de profissionais, o hospital e a Prefeitura, e, portanto, sigilosos.

A coletiva contou com o prefeito José Manoel Correa Coelho, Manu, a secretária municipal da Saúde, Cecília Aparecida Xavier de Oliveira França, e o diretor técnico do hospital, o médico pediatra João de Oliveira.

“Convoquei essa entrevista devido ao fato de vocês (os jornalistas convidados) estarem me procurando, um a um, querendo saber de notícias. Então, resolvi que falaria com todos de uma vez sobre o assunto”, iniciou Nanete.

Convidado, o prefeito disse que aceitou participar da coletiva pelo fato de a Prefeitura ser “a maior cliente da Santa Casa”. “A provedora me convidou justamente para falar da questão do ofício que era para ser transitado internamente”, declarou.

Conforme ele, as notificações são utilizadas entre os médicos e a Secretaria Municipal da Saúde como parte de negociações anuais. O objetivo era viabilizar acordo para que ambas as partes “conseguissem equalizar a situação”.

“Coisa que já conseguimos. Então, achamos justo virmos aqui”, disse ele, incluindo a participação da secretária, também presente a pedido da provedoria.

Na coletiva, Maria Laura enfatizou que responderia questões relacionadas somente aos médicos. “As pessoas confundem as perguntas. Mandaram várias questões sobre os documentos e a situação financeira do hospital. De toda forma, sou diretora clínica e represento somente os médicos da instituição”, declarou.

Dentro desse contexto, a médica também convocou o diretor técnico, para que ele explicasse as razões que levaram a direção a confeccionar os ofícios de notificação. “É ele que determina as condições mínimas e técnicas, da parte médica, que precisam ser atendidas dentro do hospital”, disse Maria Laura.

Segundo ela, os documentos reproduzidos por meio de rede social e divulgados pela imprensa do município ao longo da semana foram redigidos durante as negociações com a provedoria e a Prefeitura.

A Santa Casa define, todos os anos, pontos “considerados vitais para a manutenção de determinados serviços sem que haja prejuízos para a população”.

Com base em estudos de demanda, a médica definiu, com a equipe, a “quantidade mínima de médicos para o atendimento” junto à maternidade. Apresentou o pedido para a provedoria, que o estava discutindo com a municipalidade.

Entretanto, Maria Laura afirmou que os médicos tinham “pleno conhecimento” da situação financeira do hospital e do Executivo. Tanto que decidiram, em reunião, abrir mão do aumento salarial a que teriam direito.

Por outro lado, o hospital necessita de “uma equipe mínima” para atendimento na maternidade, em função da complexidade dos casos e da “quantidade”.

A diretoria cobrou a inclusão de um segundo obstetra “in loco” no período da noite na maternidade. Até então, esse profissional presta atendimento à distância, indo ao local durante eventual emergência.

Divulgação tardia

Os documentos divulgados à imprensa no início da semana são considerados sigilosos pelo hospital. A médica enfatizou que eles eram endereçados especificamente a duas pessoas e que não “deveriam ter saído nem da secretaria, nem de dentro da diretoria”.

Levantamentos feitos preliminarmente pelo hospital apontam que o documento foi reproduzido a partir de fotografia. Segundo a médica, uma pessoa que tinha acesso à sala da diretoria distribuiu cópias sem consentimento.

Ela também afirmou que, antes da divulgação, as questões haviam sido resolvidas com a Prefeitura. A médica disse não considerar os documentos como públicos e frisou que eles haviam sido “furtados” de dentro da diretoria.

De acordo com ela, houve vazamento apenas dos ofícios endereçados à secretária. Os endereçados ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) não teriam sido reproduzidos porque “nem chegaram a ser enviados”.

“Nós já sabemos quem foi e estamos adotando as medidas administrativas e jurídicas”, disse a médica. Entretanto, a diretora não mencionou o nome da pessoa que teria entregado os documentos ao vereador Antonio Marcos de Abreu (PP). O parlamentar leu o conteúdo dos ofícios em sessão ordinária da Câmara Municipal, terça-feira, 10.

A partir dos documentos, a médica afirmou que a diretoria e a provedoria conseguiram “fechar acordos com a Prefeitura”. Os dois dizem respeito à inclusão de mais profissionais no quadro de funcionários da instituição filantrópica.

A urgência da diretoria era manter a equipe mínima de atendimento à população na maternidade. O motivo é que o local registrou aumento “vertiginoso” de atendimentos.

Entretanto, contava – e continua contando – com três obstetras “in loco” e um à distância. O quarto só atende no prédio em caso de parto “complicado”. “Só que ele não fica para ajudar”, disse a médica.

Deste modo, o obstetra designado para o período noturno trabalha sobrecarregado. O plantonista cuida do “atendimento da porta” (casos que chegam via recepção), de retaguarda (encaminhados via pronto-socorro), das enfermarias que funcionam nos dois andares com, pelo menos, 20 pacientes por andar, e de todos os partos e procedimentos cirúrgicos.

O problema é que a quantidade de atendimento cresceu desde maio até o fim do ano passado. Pelo menos é o que revelou a médica na coletiva.

Conforme Maria Laura, os atendimentos no período noturno aumentaram 40% em seis meses (a estatística foi fechada em novembro do ano passado). Os partos também aumentaram: ficaram acima de 120% nesse período.

A diretoria clínica argumentou que, para conseguir o quarto obstetra de modo efetivo, precisou cumprir uma série de etapas. Explicou que a necessidade dele passou a ser verificada a partir de “reclamações de pacientes”.

“Eles se queixavam que ficavam esperando por um período demasiado, ou, então, o próprio colega era chamado num andar e tinha parto em outro”, contou.

A partir de então, a diretoria reportou-se ao Cremesp sobre as consultas necessárias para que fosse possível proceder com negociação junto à Prefeitura. “Depois, fomos até o prefeito e falamos da necessidade de melhorar o atendimento e dar conta de tudo que estava acontecendo”, adicionou.

Em novembro do ano passado, a diretoria agregou ao pedido um trabalho chamado de “série histórica”. Trata-se de estudo contendo a porcentagem de aumento de atendimento. “Isso demanda certo período de avaliação”, disse a médica.

Por conta disso, Maria Laura relatou que as negociações com a provedoria e, posteriormente, com a Prefeitura aconteceram somente no início deste ano. As reivindicações resultaram na confecção dos dois requerimentos para a Saúde.

Conforme a diretora clínica, o hospital começou a negociar com o Executivo no fim do ano passado, por conta do período de definição de subvenção. A médica explicou que o repasse de dinheiro feito pela Prefeitura para pagamento dos plantões médicos é negociado em novembro.

Em função das explicações, jornalistas questionaram a diretoria a respeito da demora na solicitação. A alegação é que o hospital já tinha conhecimento de que os atendimentos aumentaram a partir de maio do ano passado.

“Na verdade, não se tem uma análise imediata. O número de atendimentos e procedimentos no período noturno vem numa crescente, mas poderiam parar. Não foi isso que aconteceu. Nós constatamos que esse aumento não foi passageiro, analisamos e tomamos essa atitude”, argumentou o diretor técnico.

Ainda sem prazo

A contratação de um segundo obstetra para o plantão noturno da maternidade ainda não tem data para acontecer. Entretanto, a diretora técnica enfatizou que os atendimentos continuarão sendo feitos, anulando o “efeito da notificação”.

O prazo cientificado pelos médicos num dos ofícios era de que o serviço de pronto-socorro na maternidade fosse suspenso no dia 1º de março.

O motivo era justamente o “desfalque” na escala de auxílio obstétrico. No documento, a diretoria consta que tomou a decisão devido “risco iminente aos munícipes”.

Incluiu orientação para que “todas as gestantes de qualquer idade gestacional” fossem encaminhadas ao Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto”. De lá, seriam atendidas e encaminhadas via Cross (Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde) a um hospital de referência.

Segundo a médica, como houve entendimento com a Prefeitura, o prazo não tem mais validade. Ainda a respeito da questão, o diretor técnico frisou que tudo está “solucionado”. “Não vai ter prejuízo nenhum à comunidade. O serviço não vai parar, vai continuar como está, todos trabalhando”, declarou.

O pediatra informou que a contratação do segundo obstetra no período noturno deve ser feita “em breve”. Conforme ele, o hospital vai, primeiro, contratar o profissional para, depois, definir qual será a data de início das atividades.

Ele argumentou, ainda, que não tem como definir o prazo porque a solução não depende da direção. “Não é simplesmente eu decidir. Só que algumas coisas têm acontecido na região, tem hospitais fechando as maternidades. O movimento acaba vindo pra cá. Por isso, vimos no final do ano passado um aumento”.

Segundo o médico, a alta dos atendimentos e partos em Tatuí está relacionada ao fechamento de maternidades na região. “Em Cerquilho, fechou. E eles (a administração da cidade vizinha) vivem pedindo ajuda”, comentou.

Oliveira afirmou, também, que a “saída” da Unimed do hospital não “aliviou a situação da maternidade”. De acordo com ele, o plantonista do convênio atendia somente a pacientes conveniadas e não do SUS (Sistema Único de Saúde).

Outro argumento apresentado pelo hospital para a contratação do segundo obstetra para o plantão noturno é o salário oferecido. Maria Laura relatou que a equipe da Santa Casa tem vencimento de 20% a 30% menor que o pago em cidades da região, como Itapetininga, Boituva e Porto Feliz.

“Tirando Itapetininga, nas outras, o movimento é menor. Então, os profissionais, às vezes, têm preferência em estar num lugar com piso maior e movimento menor. Aqui, nós ficamos sufocados com pacientes de alto risco que a central reguladora acaba nos enviando por necessidade”.

Complô e crise

A divulgação das notificações gerou especulações sobre a situação financeira do hospital e a ajuda que a Prefeitura concede. Perguntado sobre uma eventual demora no repasse, o prefeito rechaçou a informação. “Em hipótese nenhuma”, iniciou.

De modo a “provar” a afirmação, Manu disponibilizou cópias de todos os repasses feitos pela Prefeitura à Santa Casa, tanto de subvenção como de AIHs (autorização de internação hospitalar), estas pagas pelo SUS.

O prefeito enfatizou que não só “não atrasou, como antecipou os repasses”. De acordo com ele, o SUS está demorando a enviar o recurso para o município.

A Prefeitura é responsável por repassar o valor ao hospital. Para não prejudicar a Santa Casa, Manu disse que está antecipando “dentro da legalidade”.

Também falou que o hospital teve aumento de recurso. Em 2012, a instituição recebeu R$ 3,8 milhões. No ano seguinte, o valor passou para R$ 4,2 milhões e, em 2014, chegou a R$ 5,5 milhões. “A Prefeitura vem cumprindo legitimamente com sua obrigação, sem prejuízos”, adicionou.

A respeito do “vazamento” dos documentos à imprensa, a diretoria não considera que houve complô contra o hospital. “Quero crer que ninguém está aqui de má-fé, vigiando tudo para ver se há algo errado”, disse Maria Laura.

Ela afirmou que respeita a liberdade de imprensa, mas criticou o posicionamento de “alguns órgãos”, alegando que a divulgação gerou pânico na população.

De acordo com o prefeito, a repercussão causou preocupação. O medo girou em torno do fechamento da maternidade e de boatos “negativos”. Um deles dizia respeito a uma epidemia de vírus entre os bebês internados.

O entendimento entre a diretoria, a provedoria e a Prefeitura também evitou a suspensão dos atendimentos de retaguarda do PS. A médica estabelece, no documento de negociação, que haveria interrupção a partir desta segunda-feira, 16.

Até então, a suspensão valeria para os atendimentos de ortopedia, cirurgia geral, obstetrícia e ginecologia, anestesiologia, neurocirurgia e neurologia clínica, pediatria, clínica médica e cirurgia pediátrica.

“Essa questão foi resolvida, também, além do segundo pediatra no plantão noturno”, disse Maria Laura. Por meio de novo acordo, a Santa Casa foi autorizada, pela Prefeitura, a contratar um clínico para atuar em plantão dentro do hospital.

“Nós não tínhamos esse profissional para cuidar dos outros setores especificamente. Isso ficava a cargo do plantonista do pronto-socorro”, explicou a diretora técnica.

A contratação deve acontecer em março, quando será elaborada nova escala. “Temos um ou outro buraco que estamos preenchendo com colegas”, disse.

O Executivo deve repassar R$ 70 mil a mais por mês para o hospital, a fim de permitir o aumento da equipe. Com isso, a subvenção passará de R$ 530 para R$ 600 mil.

Até este mês, o hospital deverá ser beneficiado com mais R$ 170 mil mensais, por meio do programa Santa Casa Sustentável. Conforme o prefeito, o convênio deve ser assinado em breve e inclui liberação de R$ 1,8 milhão para a reforma do centro cirúrgico da Santa Casa, para torná-la “hospital estratégico”.

Ainda na sexta, 13, a instituição recebeu mais R$ 461.810 de subvenção da Prefeitura.