
Tatuí 200: Outros fatos, outras histórias
Cristiano Mota
Por muito tempo, os livros eclesiásticos da antiga Matriz (atual Basílica Santuário Nossa Senhora da Conceição) figuraram como os únicos documentos históricos de Tatuí mais próximos de serem acessados pela população.
A partir deste ano, os “maços de população” da “freguezia de Tatuhy” juntam-se a eles como acervo de domínio público. O acesso antes concedido somente em espaço determinado, com solicitação prévia, a partir do acompanhamento de um responsável e limitado a uma hora por sessão, está, agora, ao alcance de todos.
A mudança no sistema é decorrente das consultas, dos pedidos de autorização de reprodução e da comunicação às autoridades detentoras do material para a utilização dos dados na produção de um livro – que será publicado em 2026. Os maços e os livros da igreja são, na perspectiva histórica, estruturantes.
São eles que possibilitam compreender, na ausência do alvará que cria a freguesia de Tatuí – aquele de 1822 –, a gênese da cidade, cuja constituição é complexa e não está vinculada apenas a um acontecimento, mas a vários.
Tatuí emerge em um interregno histórico. Sua população começa a se formar no ocaso do período colonial. Entretanto, é no Brasil imperial que ganha independência. Nessa época, o termo freguesia, do latim “filii ecclesiae” (que significa filhos da igreja), consistia em uma mera burocracia.
A de Tatuí está registrada em tinta nanquim, com letra legível, em vários documentos. São registros de batismo, de casamento e de óbitos que evidenciam com materialidade a existência de um núcleo primário de ocupação e de habitação humana, formado de maneira espontânea, a partir da fixação de famílias.
Ao contrário de alguns adensamentos da época, em que os primeiros habitantes chegavam a uma determinada região por conta do bandeirismo, como Sorocaba, ou de movimentos missionários, como São Paulo, fundada por jesuítas, o povoado tatuiano inicia-se sem autonomia administrativa, nem eclesiástica. Autores mencionam anos diversos para este acontecimento.
Hélio Diamante cita que a fundação de Tatuí remonta a 1810; Cônego Luís Castanho de Almeida (que também assina obras com o cognome de Aluísio de Almeida) refere-se a 1811 como o ano que demarca o “começo”; Paulo Florêncio da Silveira registra que, segundo a tradição, a freguesia “vinha de 1812”; João Emílio Gerodetti e Carlos Cornejo mencionam 1815; José Jacintho Ribeiro aponta 1822 como ano de elevação; e Astor França Azevedo data a instalação em 1826, sendo que ela acontecera “dois ou três meses antes” do surgimento da freguesia de Campo Largo de Sorocaba, em outubro daquele ano.
Ainda que todos esses autores tenham colaborado com a narrativa histórica, nenhum deles apresenta evidências documentais primárias que comprovem as datas. A exceção vem de uma figura que não era escritor por ofício, mas que tinha, entre suas atribuições, a missão de registrar os acontecimentos eclesiásticos da região.
Trata-se do vigário colado de Itapetininga, padre Francisco de Paula Medeiros, que gravou oficialmente a criação da nova freguesia de Nossa Senhora da Conceição.
Esse fato encontra-se materializado no primeiro volume do livro de batismos da paróquia, abrangendo os anos de 1822 a 1842 e que está sob custódia do Arquivo da Cúria Diocesana de Sorocaba.
Na imagem de número 7 (de um total de 571), microfilmada por W. Paschoalotto (rolo 24, projeto Braz 1-151), o vigário designado para atender aos moradores subscreve:
“Certifico, que vindo eu á esta nova Freguesia da Senhora da Conceiçam de Tatuý á desobrigar o Povo della por falta de vigário, e por estar pela mesma cauza encarregado da administração dos Sacramentos em hua caza particular destinada para o culto Divino por não haver Capella própria, e attendendo as necessidades deste Povo administrei o Sacramento do Baptismo na forma seguinte de que para á todo tempo constar, fiz este termo, que assigno”.
Primeiro sacerdote nascido em Itapetininga e citado como “um dos mais fortes fazendeiros” daquela cidade, padre Francisco firma o documento em 23 de abril de 1823.
No ano seguinte (1824), a freguesia é instituída em um dos documentos mais significativos para a compreensão da história local – e que permaneceu restrito por quase dois séculos: o “Mappa geral dos habitantes que existem no Destricto da 6ª Companhia das Ordenanças da Freguesia de Tatuy, Destricto da Villa de Itapetininga, em presente anno, seos Nomes, Empregos, Naturalidades, Idades, Cores, e Occupaçõens com expeceficação da Cazualidades que acontecerão em cada huma de suas respectivas famílias, des da factura das Listas do anno antecedente”.







