
Da reportagem
Produzida através do Ministério da Cultura, do governo federal, e do governo do estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, o Centro Cultural de Inclusão e Arte “Pedro Couto”, da Apae de Tatuí, recebeu a peça teatral “Até que Morte nos Enlace” no sábado da semana passada, 27 de setembro.
Foi a última apresentação da segunda temporada, em 2025. A estreia aconteceu no dia 4 de abril do ano passado, no Teatro “Ruth Escobar”, em São Paulo.
Com ingressos solidários em favor do Fundo Social de Solidariedade de Tatuí (Fusstat), o público pôde assistir pela primeira vez no município a tragicomédia escrita pelo jornalista e editor do jornal O Progresso de Tatuí, Ivan Camargo.
A produção já havia sido premiada na categoria peça teatral inédita pelo Programa de Ação Cultural (Proac) do estado de São Paulo, entre mais de 1.100 trabalhos inscritos, em 2023, e, no ano seguinte, foi selecionado novamente pelo programa estadual, entre mais de 1.200 projetos, para a circulação em municípios paulistas neste ano de 2025.
A trama, que envolve um triângulo amoroso pós-morte, tendo como ponto central a ditadura militar brasileira e a luta pela democracia, arrancou risos e reflexões do público, o qual, por diversas vezes, é “convidado” pelas personagens a pensar sobre seus “segredos”.
Presente pela segunda vez na plateia (a primeira foi em Boituva, no ano passado), a farmacêutica Janaina Ribeiro elogiou a atuação dos atores e a escrita de Camargo, apontando a história como um “convite à autorreflexão”.
“O texto é incrível e atual, além de ser uma inspiração para que ele (Camargo) continue escrevendo outros. Também não poderia deixar de elogiar a atuação de todo o elenco e direção da peça”, comentou.
Dirigido por Jacques Lagôa, um dos mais conceituados e premiados diretores de teatro e TV do Brasil, o texto de Camargo já havia vencido o Prêmio “Dias Gomes”, do Concurso Internacional de Literatura, promovido pela União Brasileira de Escritores (UBE), em 2010.
Para a aposentada Ana Maria de Camargo Campos Cardoso, a peça “cumpre um papel importante ao relembrar fatos da ditadura militar”.
Ela contou que a mãe, Myrta Leda Vieira da Cunha (mãe do ex-prefeito e ex-deputado estadual Luiz Gonzaga Vieira de Camargo), uma das idealizadoras do Cosc Tatuí, fora uma revolucionária e ativista social da época, o que, segundo ela, incomodou por diversas vezes o regime de exceção.
“Minha mãe era muito participativa na cidade; ela escrevia para jornal e, em razão disso, por diversas vezes, chegaram a bater na nossa porta. Mas, a gente não tinha medo”, relembrou.
A professora Regina Holtz também comentou sobre a importância do assunto na atualidade, principalmente, “pelo fato de muitas pessoas ainda se negarem a acreditar que houve no Brasil um período de exceção”.
“O texto trata de uma forma leve essas questões e faz com que a gente reflita. A peça é muito atual, levando o público a rever o que parecia esquecido ou até mesmo para mostrar a algumas pessoas que acreditam que esse período nunca existiu”, salientou.
O secretário-adjunto municipal do Esporte, Cultura, Turismo e Lazer, Rogério Vianna, lembrou que o primeiro contato que tivera com o texto do autor fora há aproximadamente 15 anos, quando, atuando pela Cia. de Teatro do Conservatório de Tatuí, ensaiara “O Cativeiro”, uma outra peça de autoria de Camargo.
Vianna relembrou que, naquela época, ele achou o texto audacioso e, ao mesmo tempo, corajoso, em razão da dificuldade em falar determinadas verdades para as pessoas.
“E agora, trazendo aqui uma sensibilidade linda de direção do Jacques Lagôa e desse elenco fabuloso, que, com maestria, conseguiu atualizar o texto do Ivan para os dias atuais, quando rimos das preocupações que temos que levar adiante e para podermos construir esse país, essa grande nação”, declarou.
O secretário-adjunto também ressaltou a importância da reflexão sobre o que de fato aconteceu durante o regime militar. Para ele, “é muito sério saber que algumas pessoas ainda não acreditam no regime de exceção imposto no Brasil”.
“Isso é muito preocupante, mas aí o texto vai mostrando que, se você ouvir de uma forma correta, a gente vai buscando essa sensibilidade dentro do nosso eu para poder dar continuidade à história. O texto é fantástico, o Ivan está de parabéns, não só na dramaturgia, mas na literatura, sempre nos agradando com a sua visão de mundo”, acrescentou.
Vianna também comentou sobre o teatro da Apae como um novo espaço para a difusão cultural na cidade. Para ele, Tatuí tem vários locais que precisam ser reconhecidos e que as pessoas precisam tê-los como “pertencimento”.
“Nós estamos aqui no espaço onde, no Jardim Lucila, CDHU, Residencial Atlanta, tem uma população gigantesca habitando. Então, precisamos que eles tenham pertencimento desses lugares. Temos também o Lar Donato Flores, que é um outro formato, ou seja, a gente pode levar a cultura cada vez mais para diversos locais”, defendeu.
Vianna concluiu afirmando que, quando o espaço recebe um espetáculo de potencialidade como o apresentado no sábado, “a população percebe que Tatuí está começando a realmente transbordar aquilo que ela sempre vocacionou: transmitir arte e cultura”.
Para o professor Pedro Couto, que teve o nome dado ao Centro Cultural de Inclusão e Arte, a iniciativa da prefeitura em indicar o espaço para receber o espetáculo de um autor tatuiano que é conhecido pelo engajamento cultural no município foi gratificante. “Encerrar esse projeto dele dentro do nosso espaço está sendo maravilhoso”, afirmou.
Couto informou que a proposta do teatro dentro da Apae foi pensada como forma de fomentar a cultura no município, além de reverter verbas para a instituição.
“Aqui, também será um local para que as pessoas do bairro e adjacentes possam usufruir de um espaço dentro do próprio território deles, pois muitas nem conhecem o Conservatório”, completou.
Para a agente cultural da Apae, Agda Borges, receber a peça foi “muito significativo”. Ela disse que, apesar de o local ter sido inaugurado no mês de outubro do ano passado, essa foi a primeira vez a receber um espetáculo não apresentado pelos alunos da instituição.
“Foi infinitamente significativo, por mostrar, para quem faz cultura, que nós temos um espaço para todos os interessados que quiserem fazer essa parceria com a Apae”, explicou.
Integrante da equipe técnica da peça, a atriz Paula Fernanda disse ter recebido o convite para ser a responsável pelo figurino e visagismo do espetáculo como um presente, principalmente por, segundo ela, estar no meio de profissionais conceituados.
“Como o texto é do Ivan Camargo, eu queria muito que a peça viesse para Tatuí, para que meus amigos e familiares pudessem ver esse trabalho que, de uma certa forma, tem a minha mão também”, contou.
Ela lembrou ter sido uma das responsáveis pela idealização da construção do espaço na Apae. “Como atriz, ajudei a arquiteta na elaboração. Então, participar do espetáculo está sendo muito gratificante para mim”, declarou.
No elenco, quatro renomados nomes do teatro e da televisão brasileira avaliaram as apresentações ao longo da temporada.
Vanessa Goulartt definiu como gratificante a trajetória como a intérprete da “Entidade”, que media as discussões entre Estela, Tarso e Pedro Otávio. Ela disse apostar que a apresentação em Tatuí não foi a última.
“Deste ciclo, foi, mas posso dizer que foi um encontro muito gostoso entre o elenco, produção e direção. Acabamos criando um grupo muito coeso, que não quer parar de trabalhar junto. E, se não for com essa peça – que eu acho que será -, temos muitos outros projetos pela frente”, ressaltou.
Sobre a recepção em Tatuí, a atriz avaliou como “calorosa e carinhosa”. “E pelo Ivan ser daqui também, foi muito especial neste sentido”, acentuou.
Ricardo Monastero – que interpreta o advogado Tarso Cabral – apontou a ação cultural do Proac como “muito valiosa”. E sustentou que permitir que espetáculos como o escrito por Camargo sejam levados ao estado de São Paulo todo é uma forma de difusão cultural, além do compromisso de entregar à população o que, segundo ele, “é dela por direito”.
“Do direito de usufruir da cultura e ter acesso a um gesto civilizatório como é o teatro. Agradeço a cidade de Tatuí por fazer parte disso tudo, e que possamos voltar mais vezes, já que o município é uma referência de cultura”, observou.
“E que o teatro traga o público para as relações pessoais e que seja um ambiente de ritual e processo social para que as pessoas possam conviver de uma forma a melhorar o nosso país”, concluiu.
Marta Volpiani disse ter voltado aos palcos para interpretar “Estela” após 25 anos longe do teatro. E ter regressado na dramaturgia a convite de Lagôa foi, segundo a atriz, um privilégio.
“Essa peça foi um grande presente, porque é um texto maravilhoso. A direção do Jacques foi impecável. Nós quatro nos esforçamos muito para que essa peça crescesse e levasse essa mensagem de amor, de espiritualidade e redenção. Foi muito importante tocar a vida das pessoas”, ressaltou.
Para ela, todos que assistem ao espetáculo saem de alguma forma modificados e pensativos a respeito do assunto. “E, para a gente, foi superimportante”, frisou.
Ela contou que, entre todas as apresentações, as que mais a tocaram foram as sessões no período da tarde, voltadas a alunos adolescentes.
“A moçada, depois que terminava a peça, vinha falar com a gente, encantada, e a maioria dizia que nunca viu uma peça e nunca foi ao teatro, e que gostaria de entrar mais nesse universo”, explicou.
A atriz – conhecida por dar voz no Brasil à personagem Dona Florinda, do seriado “Chaves” – concluiu dizendo que levar cultura às pessoas que não têm acesso é uma oportunidade de crescimento e entendimento do que é a arte. “Então, para mim, o que mais valeu foi essa chance de levar para essa criançada todo esse universo”, concluiu.
Ernando Tiago – que interpreta o apresentador de TV e deputado Pedro Otávio – avaliou a peça como uma forma de resgatar, por meio da história vivida entre as personagens, o período da ditadura.
Para ele, a trama também convida o público a avaliar a forma com a qual se leva a vida, “como se fosse uma revisão e um acerto de contas com os erros já cometidos”.
Ele contou que não é a primeira vez que se apresenta em Tatuí. Disse ter sido uma honra ter retornado à cidade que o recebera tão bem desde a primeira vez que participou, nos anos 1980, de edições do Festival Estudantil de Teatro do Estado de São Paulo (Fetesp), promovido pelo Conservatório.
“Voltar é sempre bom, e esperamos, quem sabe, muito em breve, podermos retornar para esta cidade incrível e que nos recebeu tão bem”, agradeceu.
O produtor Francisco Pinto (da Kino School, realizadora do projeto) avaliou como excelente a temporada do espetáculo e afirmou que, em todas as apresentações, os lugares sempre estiveram lotados.
Ele destacou o trabalho pela formação de público proposto a partir de uma segunda sessão voltada a jovens em cada cidade. “Fizemos um trabalho bacana também, que foi de criação de público, porque nós, nesta temporada, nos propusemos a fazer duas sessões em cada cidade, sendo que uma sessão, durante a tarde, é para jovens do ensino médio”, informou.
“E a gente percebeu, conversando com eles, que, para a grande maioria – mais de 90% daqueles moços e moças -, foi a primeira peça teatral adulta que eles assistiram na vida”, contou.
“E esse foi um papel muito importante que tivemos; de levar o teatro para esses jovens que estão tão acostumados em jogos eletrônicos. O teatro é insubstituível”, assegurou o produtor.
Ele disse ter ficado contente com a temporada, além de poder encerrá-la na terra natal do autor. “Só tenho a dizer coisas positivas, e isso é excelente”, concluiu.
Para Ivan Camargo, ter um primeiro texto encenado na cidade natal foi a concretização de um antigo objetivo. “Faz exatamente 30 anos que comecei a estudar e escrever dramaturgia, tendo ganhado algumas premiações, inclusive, fora o fato de sempre ter priorizado as ações de cultura em Tatuí desde que assumi a editoria de O Progresso – coincidentemente, também há 30 anos”, comentou.
“Apesar disso, nunca havia tido a oportunidade de encenar algum texto na cidade, o que só seria possível com parcerias junto a profissionais ou mesmo estudantes da área, já que o teatro é uma arte só concretizada em grupo”, acrescentou.
“De forma curiosa – até irônica -, isso aconteceu por pessoas de outras cidades, profissionais reconhecidos no meio, com os quais nunca havia tido contato. Um deles, Jacques Lagôa, um dos diretores mais respeitados, profícuos e talentosos do país”, observou Camargo.
“Ou seja, só tenho a agradecer à produção, ao elenco e à equipe técnica por esse presente mais que especial. E, em Tatuí, também agradeço aos apoiadores culturais, à Apae e à prefeitura, que contribuiu demais para a vinda da peça, particularmente ao secretário-adjunto Rogério Vianna”, concluiu Camargo.
Além da estreia em São Paulo, no ano passado, a temporada passou pelas cidades de Boituva, São Bernardo do Campo, Avaré, Piraju e Cesário Lange.
Em Tatuí, a produção teve a realização junto com a prefeitura, por meio da Secretaria de Esporte Cultura, Turismo e Lazer. Como apoiador cultural máster, contou com a One7, além das parcerias com a Apae, o Hotel Del Fiol e a pizzaria Ebo e Lima.
Da equipe técnica da segunda temporada, também fizeram parte, na direção musical, Sérvulo Augusto, o diretor de fotografia Marcelo Yamada e os também tatuianos Jaime Pinheiro, cenógrafo, e Paula Fernanda, figurinista e visagista.