
Da reportagem
Autor de sucessos da música sertaneja verdadeiramente “raiz”, como “Menino da Porteira”, “Rei do Gado’ e “Força do Destino”, Teddy Vieira tem vida e obra apresentadas em documentário lançado há pouco pelo diretor, produtor e roteirista José Ricci.
Com carreira iniciada em 1972, Ricci – atualmente radicado na cidade vizinha de Itapetininga, a mesma do músico homenageado no filme – considera-se um “trabalhador do audiovisual”, já tendo transitado entre a fotografia, a produção e o empreendedorismo cultural.
Seja em produção, direção ou roteiro, entre tantos outros, integrou programas de Chico Anysio e Xuxa, na Rede Globo, além de trabalhos nas TVs Record, Cultura, CNT e Rede TV.
“Considero difícil definir minha atuação no audiovisual em uma linha única, porque nunca tive uma carreira linear. Quando comecei no cinema, era possível transitar por várias funções técnicas, e foi assim que iniciei no filme ‘Um Caipira em Bariloche’, do Mazzaropi”, lembra o produtor.
“Minha função era a de ‘recordista’, uma palavra curiosa para designar o profissional que ficava dentro de um caminhão de som, ligando e desligando um gravador que utilizava fita magnética de 16 milímetros”, descreve.
Na sequência, Ricci seguiu para o mercado de filmes publicitários, atuando como eletricista, assistente de câmera e diretor de fotografia, alternando esse período com trabalhos no chamado cinema da “Boca do Lixo”.
Mais tarde, conta ter percebido a dificuldade de importar equipamentos de iluminação e a limitação do que era fabricado no Brasil. Por isso, começou a produzir equipamentos e, junto com amigos da área, fundou a empresa Loc All, que se tornou referência no mercado de locação, “permanecendo até hoje com grande qualidade e crescimento”, acentua o produtor. “Embora eu não seja mais sócio, mantenho enorme carinho por essa história”, acrescenta Ricci.
Ao longo da carreira, o produtor montou outras duas locadoras de sucesso e, na televisão, como prestador de serviços, continuou a trabalhar, além de escrever roteiros.
Atualmente, reside em Itapetininga e trabalha para o estúdio Banijay, em Guarulhos, uma das maiores empresas internacionais de conteúdo audiovisual.
Conexão com Teddy Vieira
Ricci conta que a relação com a obra de Teddy Vieira e a música caipira vem de “muito tempo”. “Nasci em Birigui e cresci em uma família em que as reuniões musicais eram sempre embaladas por esse repertório. A música caipira estava presente no rádio, nas pescarias com meu pai e em tantos outros momentos da infância e da adolescência — era a nossa trilha sonora”, relembra.
Com o tempo, como muitos jovens dos anos 60, Ricci passou a ouvir Beatles, Roberto Carlos, Chico Buarque e outros artistas da época. “Havia, naquela geração, uma certa vergonha de assumir a identidade caipira”, confessa.
“Só mais tarde, já em São Paulo, compreendi a profundidade cultural dessa música, e percebi que, mais do que um estilo, ela era a expressão da saudade da terra, do interior, da simplicidade e da felicidade que nos marcava”, contextualiza.
“Canções como ‘Menino da Porteira’ emocionavam a todos, despertando lembranças e histórias que se desdobravam em outras modas”, exemplifica o produtor.
Desde então, nunca mais Ricci se afastou do universo caipira. Dirigiu por um período o programa de televisão “No Alto da Serra” e gravou dois DVDs com a Orquestra de Viola Caipira. “Em todas essas experiências, sempre me senti chamado pelas músicas de Teddy”, acentua.
“Mesmo após realizar o documentário e atualmente trabalhar em sua biografia, sigo descobrindo fatos novos — e me surpreendendo com a riqueza e a atualidade de sua obra”, enaltece o profissional.
Importância de Teddy Vieira
O artista itapetiningano é apontado por José Ricci como “um pilar da música caipira/sertaneja de raiz”. “Sua escrita combina lirismo, observação do cotidiano, religiosidade popular, humor e uma precisão melódica rara”, sustenta.
“Ao traduzir o universo do campo, dos deslocamentos e dos afetos, ele ajudou a definir um vocabulário poético-musical que atravessa o tempo e permanece vivo no repertório, nos palcos e nas memórias de milhões de brasileiros”, argumenta o produtor.
“Mais do que listar canções, destaco três eixos fundamentais na obra de Teddy Vieira: primeiro, a construção de narrativas que retratam com dignidade o homem do interior, suas lutas, alegrias e valores”, aponta.
“Segundo, a sofisticação poética, que, sem perder a simplicidade da linguagem popular, revela múltiplas camadas de sentido; e, terceiro, a influência direta sobre intérpretes e duplas, que levaram adiante sua estética e consolidaram sua marca na música brasileira”, acrescenta.
Segundo Ricci, esses eixos explicam os motivos pelos quais as composições de Teddy Vieira permanecem “vivas e relevantes”. “A partir da simples observação do cotidiano — tanto da vida urbana quanto da rural —, das viagens de pescaria em Itapetininga e região, e das frequentes idas a Minas Gerais, terra de sua esposa em Andradas-, Teddy construiu um repertório único”, defende Ricci.
“Suas canções, criadas nesse diálogo íntimo com a paisagem e com a experiência humana, seguem sendo gravadas e regravadas até hoje”, ressalta.
“Infelizmente, sua trajetória foi interrompida precocemente com sua morte em 1965. Ainda assim, não conheço nada parecido em termos de originalidade e permanência de sua obra”, observa o produtor.
Avaliando a aparente perda de espaço da cultura regional raiz no mercado, Ricci afirma haver um “deslocamento de atenção provocado por lógicas de mercado, plataformas e algoritmos”.
“Mas, não se trata de perda de relevância artística. O que muda é o regime de visibilidade. A cultura de raiz continua potente — precisa, contudo, de mediação curatorial, políticas públicas consistentes e projetos que conectem tradição e presente para disputar atenção em novos formatos”, argumenta.
Para uma “revalorização” da cultura regional – e de ícones como Teddy Vieira -, Ricci indica algumas ações práticas. Uma delas seria pela educação e memória. “Levar Teddy às escolas, criar materiais didáticos, mapear acervos e digitalizar registros”, exemplifica.
Outra seria por meio da “cena e circulação”. “Promover concertos comentados, mostras, festivais e residências criativas que aproximem jovens artistas da tradição”, enumera.
E, finalmente, uma frente com foco no “mercado e difusão”. “Trilhas sonoras, podcasts, documentários, playlists editoriais e parcerias com TVs, rádios e plataformas para ampliar o alcance e a monetização do catálogo”.
O documentário
“Teddy Vieira – Um poeta da música brasileira”, nome do documentário de José Ricci, nasceu de um projeto a partir da Lei Paulo Gustavo, em Itapetininga.
“Eu já tinha em mente realizar um trabalho sobre Teddy Vieira, sobretudo por estar vivendo em sua cidade natal. Nesse período, acompanhava o trabalho de Bob Vieira, artista local que é poeta, violeiro, ativista cultural e profundo conhecedor da cultura caipira”, conta o produtor.
“Além de sua atuação artística, Bob também foi ator e possui grande talento como contador de histórias, o que me fez enxergá-lo como a escolha ideal para ser o narrador do filme”.
“Uma das minhas intenções era justamente preservar a oralidade, marca essencial da tradição caipira e do jeito único de contar um ‘causo’. Quando apresentei a ideia a Bob, ele, de maneira generosa, aceitou de imediato”, informa Ricci.
“Seguimos juntos, com a certeza de que havia uma urgência em organizar e narrar a trajetória de Teddy em linguagem audiovisual, com rigor histórico e cuidado estético, de modo a aproximá-lo das novas gerações”.
O filme entrelaça depoimentos de familiares e artistas, registros de época, recriações poéticas e execuções musicais que reconstroem o “mundo sensível” de Teddy Vieira.
“É um percurso por suas imagens, temas e melodias — da poesia à canção, do interior aos grandes palcos —, mostrando como sua obra permanece atual e inspiradora”, descreve o realizador.
O filme foi lançado em 22 de novembro de 2024, em uma sessão especial na Casa Kennedy, em Itapetininga. Em seguida, houve outras exibições: em Andradas, em Poços de Caldas, novamente em Itapetininga (dentro de uma mostra da Lei Paulo Gustavo no restaurante árabe da cidade) e em Sorocaba.
Agora, a expectativa de Ricci é de poder exibir o trabalho também em Tatuí e outras cidades parceiras, sempre acompanhando as sessões com bate-papos que aproximem o público da obra de Teddy Vieira e da cultura caipira.
Além disso, o documentário já iniciou circulação em festivais e está em negociação com a TV Cultura para exibição em rede nacional (o contrato já foi enviado e deve ser finalizado em breve).
Após esse circuito inicial, o filme será disponibilizado em uma janela ampliada, com trilhas de mediação voltadas a escolas e pontos de cultura, garantindo maior alcance e formação de público.
Além do filme sobre Teddy Vieira, Ricci está desenvolvendo projetos voltados à história da música caipira. Atualmente, trabalha em um projeto sobre Cornélio Pires, “figura essencial para a difusão da cultura caipira no Brasil”, ressalta.
Paralelamente, segue aprofundando a pesquisa sobre Teddy Vieira, em parceria com o pesquisador Pedro Brizola, responsável pela pesquisa do documentário.
“Nossa meta é finalizar um livro biográfico que registre de forma ampla e definitiva a trajetória de Teddy, ampliando o legado já iniciado no audiovisual”, antecipa.
“Essas iniciativas se complementam e formam um conjunto integrado de ações que unem audiovisual e literatura, fortalecendo a preservação e a difusão da cultura regional”, conclui o produtor.