Cirurgião dentista, jornalista, flautista, otimista, subdelegado, químico, professor e poeta. Dentre todas essas profissões exercidas por Eulico Mascarenhas de Queiroz, talvez a que mais marcou o município não esteja nesse rol.
Natural de Itapetininga, o músico é, até os dias atuais, lembrado como o primeiro diretor do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”. Versátil, Queiroz imprimiu marca de talento e contribuiu para a identidade de Tatuí.
Ele deixou história relembrada por O Progresso em função da proximidade a uma data importante e peculiar. Queiroz nasceu no dia 31 de maio de 1903. Nessa mesma data, mas em 1959, o músico faleceu, deixando herança que contribuiu para o título de “Capital da Música”.
Como é sabido, o Conservatório de Tatuí teve instalação em 1954, dois anos depois de uma promessa feita pelo então governador do Estado de São Paulo, Lucas Nogueira Garcez.
A escola de música estava prevista em lei criada em 1951, era muito aguardada, mas teve implantação concretizada em 11 de agosto de 1954, ano que representou uma nova fase na história musical do município.
Indicado pelo governo da época, Queiroz teve uma carreira longa, antes de chegar ao posto de primeiro diretor. Na biografia dele, consta a fundação de vários jornais. O itapetiningano exerceu inúmeras profissões e viveu em 28 municípios, até chegar a Tatuí.
Atuou como correspondente da “Folha da Manhã”, edição matutina da “Folha da Noite”, jornal fundado por Olival Costa e Pedro Cunha, em 19 de fevereiro de 1921.
Integrou a imprensa de Santo André e trabalhou, ainda, como redator dos programas do Teatro Municipal de São Paulo, na gestão de Jânio Quadros.
A vocação de músico, última profissão exercida pelo visionário no comando do CDMCC, foi também a primeira da vida ele, pelo menos da que se tem notícia. Conforme a família, em 1920, Queiroz começou a animar o cinema mudo. Ele tocava flauta nas exibições, como fazia no “Bar do Viaduto da Rua Direita”.
Quatro anos depois, formou-se dentista e, em 1925, casou-se com Luzia, com quem teve cinco filhos. Veio de uma família numerosa, sendo o segundo filho – de um total de oito – do casal Alfredo Teixeira de Queiroz e Noemi Mascarenhas.
Os filhos dele, Noemi, Ely e Zely, nasceram nos anos de 1926, 1928 e 1930, respectivamente. Um ano depois, em 1931, ganhou uma música de Carnaval. A marchinha “Nós, os Carecas” não agradou ao flautista. “Ele não gostou da brincadeira”, mencionou, em nota, um dos filhos do então homenageado.
Em Novo Horizonte, no ano de 1932, Queiroz tornou-se pai pela quarta vez, com o filho Ary. Durante a Revolução Constitucionalista, naquele mesmo ano, recebeu apoio da maçonaria. Enquanto esteve ausente, por conta do período, a família dele obteve alimentação provisionada pelos maçons.
A família do músico se completou em 1934, com o nascimento de Deusdedit. O menino veio ao mundo em imóvel na rua Afonso Sardinha, na Lapa, em São Paulo.
Oito anos mais tarde, em Santo André, Queiroz enfrentou um problema pessoal. O filho mais novo, Deusdedit, ficou doente, teve febre tifoide pelo período de um ano.
“Chupei um sorvete de morango, com água suja. Acontece”, contou Deusdedit. Durante a infância, o menino também enfrentou problemas de “ordem criativa”. “Cheguei à conclusão de que a mente faz você enxergar o que ela quer. Até sua avó que já morreu há 200 anos”, disse o filho do músico.
Um dos herdeiros da herança cultural de Queiroz, Deusdedit preserva na memória momentos de a juventude. Também episódios peculiares vividos com o pai.
Entre eles, uma promessa cumprida por Queiroz durante procissão de Nosso Senhor Morto – andar com os pés desnudos. A mãe do então menino carregou as sandálias do músico na bolsa até que ele completasse o percurso.
“O chão era de pedregulho redondinho e cortante. No fim da promessa, fomos para casa, ali, da rua Correia Dias. Lá, mamãe esquentou uma chaleira de água, trouxe na bacia com sal, que eu lavei os pés dele. E a água ficou vermelha”.
Em meio ao cotidiano, Queiroz tinha tempo de escrever poemas. Dois deles (“Arrependimento” e “Contrição”) são datados de 1942 e finalizados em Santo André.
As relíquias do músico que permanecem na família são recontadas pelo filho mais novo com pitadas de nostalgia. Quando criança, Deusdedit caçava pombas nos buracos dos caibros dos andaimes da catedral do Carmo, em São Paulo.
“A torre era quadrada, de tijolo à vista, sem relógio e em forma de xadrez. Tinha buracos, onde as pombas faziam ninhos. Eu as pegava, e mamãe fazia com arroz”, recordou, mencionando que isso ocorria “nos tempos de guerra”.
Em outro momento da vida com o pai, em 1948, Deusdedit menciona que, por interferência do músico, ele teve de mudar de trabalho. Até então, o filho era funcionário de uma farmácia. Ocorre que Queiroz se indispôs ao fato de que Deusdedit tinha de sair de casa às duas da manhã para aplicar injeção em uma criança.
Mesmo contrariado, o filho do flautista deixou o emprego e, com o dinheiro que recebeu, comprou uma bicicleta. Depois, o caçula ingressou na indústria de produtos químicos Guarani, localizada na rua Coronel Diogo.
Em São Paulo e antes de o pai vir a Tatuí, Deusdedit trabalhou no escritório pertencente a Franchini Neto, então chefe do cerimonial do Palácio do governo do Estado de São Paulo. Exerceu a atividade de office-boy, período no qual menciona fatos e lugares curiosos a respeito de São Paulo. Entre eles, o “Lago do Cuspe”.
“Ele tem esse apelido porque os senhores tomavam café num barzinho, sentavam no banco e cuspiam no chão até fazer uma poça ao fumar cigarro de palha”, contou.
A família veio a Tatuí em 1954, por conta da instalação do Conservatório. Naquele ano, Queiroz fez solicitação pública de preços para compra de instrumentos, pianos, violinos, violões e flautas.
Um ano antes de falecer, ele participou de programa na Rádio Nacional de São Paulo onde falou, para um público em massa, a respeito do “aproveitamento dos alunos do CDMCC”.
Conforme o filho, o primeiro diretor da escola de música era severo, mas justo e honesto com maestros, professores, alunos e funcionários. “Ouvi falar que o sucesso de hoje deve-se ao rigor do trabalho dele, amigo dos jovens”, observou o filho.