Um século í  vista

Bem, é incrível, neste momento do mundo, cheio de medos, decepções, insegurança, quando a média de vida dos brasileiros beira os 70 anos, nós temos em Tatuí alguns exemplos de pes-soas que já deixaram os 70 anos há muito tempo, que enfrentaram e continuam enfrentando a vida como ela é, cheia de surpresas, ora agradáveis, ora desagradáveis.

De repente, toda uma história de família se acaba: pais, irmãos, tios e até netos, mas eles continuam na sua trilha, caminhando a cada dia uma nova esperança, no novo despertar para um dia de alegria e também tristezas, já que as duas sensações andam juntas!

Tenho em meu pai, o professor Diógenes Vieira de Campos, um exemplo de garra, determinação e lutas. Ele já está chegando aos 96 anos, graças a Deus e à minha irmã, Maria Eugênia, que supercuida dele. Com muitas histórias e exemplos de vida que um dia farei questão de citar aqui.

Mas, as luzes dos holofotes nesta semana estão ligados e focados em um cidadão que estará, neste 2016, completando um século de vida. Mas, se colocarmos como numeral, fica mais imponente: cem anos de muita história e lutas, sempre com um bom humor que lhe é peculiar e sempre sorrindo.

Fomos recebidos em sua casa, ao lado de sua esposa carinhosa, Elizabeth Amadei, para uma conversa sobre um pouco de sua história.

Sem sombra de dúvidas, ele é um símbolo de bem viver e, em breve, será matéria das grandes e maiores rádios e TVs do país. E Tatuí será o palco dessa história.

Com vocês: luzes, câmeras e ação para o doutor Simeão José Sobral, nascido em São Paulo, aos 29 de novembro de 1916 e, se Deus quiser – e Ele quer -, dia 29 de novembro de 2016 chegando aos cem anos, para alegria de todos nós.

Onde o senhor estudou nos primeiros anos?

Simeão – Estudei aqui, em Tatuí, onde fiz o curso primário. Depois, porque estava dando certo trabalho, me internaram no “Liceu Coração de Jesus”. Fiquei seis anos interno lá. Fiz o ginásio todo em São Paulo.

Doutor Simeão, fale sobre sua infância, e quais eram seus brinquedos prediletos?

Simeão – Bom, tive tudo, de caxumba a tosse comprida. Toda essa “doençarada”. Naquele tempo, a infância era diferente, porque era muito limitado o que nós tínhamos que fazer. Não existia piscina, clube de atletismo. Não existia quase nada. De maneira que a nossa brincadeira era jogar pião, bolinha de gude, brincar de sela e de “mocinho e bandido”.

Na sua juventude, quais eram os divertimentos e o lazer?

Simeão – Eu estava interno, ainda, em São Paulo, de modo que vinha para cá nas épocas de licenciamento do colégio. Mas, já se dançava um pouco naquele tempo. Havia vários clubes sociais: o Tatuiense, o Recreativo, o Operário, o Clube dos 13. Então, nós tínhamos onde esticar as pernas naquele tempo.

Em outra entrevista, o senhor comentou sobre as voltas na Praça da Matriz e a importância do Cine São Martinho (atual banco Itaú) na cultura da cidade. Fale-nos um pouco sobre esse tempo.

Simeão – A praça tinha um coreto, lembra-se dele? E, em torno do coreto, ruas para a gente circular. A primeira era do pessoal mais importante, digamos assim; a segunda, para outra classe de pessoas; e, a terceira, era livre. Então, a gente girava ali. Ficava parado, vendo as moças também passarem, e ali aconteceu muito namoro, muito casamento.

Já o Cine São Martinho era um dos pouquíssimos divertimentos da cidade. Quem saía do cinema ia para o Jardim, ou, então, do Jardim para o São Martinho. E, depois, íamos dançar nos nossos clubes. Disso eu tenho uma saudade louca, viu?

O senhor dançava muito?

Simeão – Sim, ainda mais bolero, que é um ritmo no qual se dança mais apertado. É outra coisa.

Como está o seu espírito já que, em breve, o senhor completará cem anos?

Simeão – Nunca pensei bem nisso, mas, ultimamente, tenho pensado. É um privilégio, alguém viver quase cem anos. Estou com uma saúde boa. A única preocupação minha é morrer atropelado, com esse trânsito intenso de Tatuí. Quanto à idade, acho um privilégio que Deus preparou-me uma situação excepcional.

Qual ou quais as receitas para se viver tão bem e chegar a essa idade com tanto vigor?

Simeão – Não tem uma receita, não. Eu comi, bebi a vida inteira. Bebia bem, viu? Mas, a minha receita agora é essa: faz uns 40 anos, mais ou menos, que eu tomo Ovomaltine cedo e Brahma à tarde. É a minha alimentação básica.

O senhor é advogado. Em que escola e em que ano o senhor se formou?

Simeão – Eu me formei em 1943, no Largo São Francisco (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo).

Qual é a área do direito que o senhor mais gostou de atuar?

Simeão – Eu fiz cível, trabalhista e criminal. Para dizer que tinha uma preferência, é muito difícil, porque eu precisava ganhar minha vida, como todo mundo. Então, atuava nas três áreas, dentro da minha possibilidade. Mas, a área mais agradável, a que bole mais com a alma do advogado, é a criminal.

O senhor também fez júri? Gostava?

Simeão – Fiz muito júri, gostava demais. Parei porque os crimes começaram não ter sentido. Então, achei que foi ficando difícil o advogado sustentar a inocência de certas pessoas. Deixei de advogar em 1997, quando me aposentei.

Sempre soube que o senhor foi um grande desportista, gostou de futebol e que, até hoje, frequenta os treinos do XI de Agosto às quartas-feiras. Como foi a história do senhor no clube?

Simeão – De 1968 até 1972, me jogaram como presidente da associação, com a obrigação de construir um ginásio. Aleguei que era advogado, não entendia nada de construção. Ficou combinado que eu assumiria e nomearia uma comissão especial para construir o ginásio.

O Osvaldo Del Fiol, Juca Machado, Pedro Galhardo, Mário Baiardi, Milton Stape, essa comissão é que é a verdadeira responsável pela construção do ginásio do XI, quando eu era presidente. Naturalmente que dei todo meu apoio e toda a minha força possível para que isso se realizasse.

Já a piscina foi construída pelo esforço do Osvaldo Del Fiol, do Milton Stape, do Pedro Galhardo, do Elias Sallum. Eles é que se combinaram para fazê-la.

O senhor jogou futebol, em que posição?

Simeão – Era centroavante, e fui até convocado para jogar na seleção da Federação Paulista de Futebol, em São Paulo, mas não cheguei a participar. Em Tatuí, a minha vida esportiva foi toda no XI de Agosto.

Eu me lembro, no início do XI, que o senhor jogava tênis com o Chico Suã (Chico Fiuza). Até sinto que o senhor foi um dos precursores desse esporte ao lado de outros, como doutor Adriano e Ubirajara Loretti. Por quanto tempo o senhor jogou tênis?

Simeão – Por curto tempo. O meu adversário era o Chico Fiuza. E o responsável pelo tênis, no XI, era o doutor Eduardo, de saudosíssima memória.

Eu e o Chico poderíamos ser campeões, nos dias de hoje, destaque no cenário esportivo. Numa disputa que nós tivemos, eu dei uma casquinha (resvalada) e disse um palavrão. O doutor Eduardo ouviu e mandou que nós dois nos retirássemos da quadra e que não aparecêssemos mais lá, porque aquilo era um esporte de gente educada. E foi assim que ele cortou a nossa carreira (risos).

Como era a época dos grandes jogos do XI de Agosto, quando a “Égua Vermelha” reinava soberana?

Simeão – Em 1958, o XI foi bicampeão amador de futebol do interior do Estado de São Paulo. E isso aí é uma verdadeira aventura, porque o XI foi jogar uma vez, numa determinada cidade, e teve que voltar de caminhão. Eles ganharam o jogo, mas a cidade não forneceu meios de os jogadores voltarem. Quem me contou isso foi o Paias (João Paias), um dos grandes jogadores do XI.

Foi uma campanha extraordinária, porque, veja bem, um quadro ser campeão amador do interior do Estado é qualquer coisa de relevante. E os jogos eram dificílimos.

Tem uma passagem que eu guardo sempre na memória: o XI foi jogar, eu não me lembro se em Itatiba ou Atibaia, e perdeu por 3 a 1. A equipe precisava ganhar com uma diferença de quatro gols para continuar no campeonato.

Muito bem, começa o jogo, aqui, naquela expectativa, e, de repente, o Atibaia marcou mais um gol. Demos por perdida a partida. Nisso, surgiu um cidadão chamado Ivo Mendes, que tinha um pistom. Ele passou a mão no instrumento e começou a tocar umas “árias”. Aquilo deu um impulso no XI de Agosto. Ganhamos de 6 a 1, continuamos e conseguimos ser campeões do Estado.

Nesses quase cem anos, quais os fatos que mais marcaram a sua vida?

Simeão – O Conservatório é um deles. Foi uma luta muito grande, porque uma cidadezinha pequena como Tatuí disputar com outras grandes, como Sorocaba e Piracicaba, e conseguir essa vitória? Foi um fato extraordinário, de modo que considero isto uma façanha.

Outro fato é o Ginásio do Estado, que veio para cá em 1931, o “Barão de Suruí”. Foi uma luta muito grande. A meu ver, rapidamente, essas são grandes conquistas.

O senhor talvez seja o rotariano mais antigo em atividade do nosso Brasil, e, ainda mais longe, do mundo. Quando entrou para o clube, quando foi o primeiro mandato? Segundo sua filha Romilda, o senhor vai assumir novamente a presidência do clube em Tatuí.

Simeão – Bom, o negócio começou assim: você conheceu o Chico Penteado, o promotor público? Francisco de Camargo Penteado? Ele era um promotor público na cidade de Catanduva e, lá, conheceu um cidadão chamado Adalberto Bueno Neto, titular do cartório de registro de títulos e documentos.

O Adalberto era casado com a Elza Molitor, tatuiana, e quis colocar o Penteado no Rotary de Catanduva. Ele não aceitou por questões religiosas, mas, depois, se convenceu de que não havia esse impedimento. De lá, ele foi para Santa Cruz do Rio Pardo e fundou um clube. Depois, conseguiu a sua promoção para Tatuí.

Aqui, o Penteado promoveu uma quermesse que foi um sucesso muito grande e, influenciado pelo Adalberto e, provavelmente, pela mulher e com ajuda do Mário Azevedo e de um pessoal de Sorocaba e de Porto Feliz, ele fundou o Rotary aqui.

Vinte e duas pessoas são as fundadoras. Infelizmente, eu sou o único sobrevivente. Isso foi em 1947. Serei presidente pela terceira vez. Tomo posse no próximo dia 24 de junho, dia de São João.

Achei que foi um risco muito grande do Rotary me escolher como presidente nessa idade. Deveriam escolher uma pessoa mais moça, mais forte, de pensamentos mais modernos, mas, enfim, vamos ver o que vai acontecer.

O senhor já foi vereador. Em que ano foi esse mandato, quem era o prefeito e como era ser vereador naquela época?

Simeão – Até quero esquecer isso, porque era uma “brigaiada danada”. Naquele tempo, era Junqueira contra João Lisboa, uma coisa repelente, viu? Foi entre as décadas de 50 e 60.

Também fiz política, fui político extremado, viu? E, depois, comecei a pensar em parar, porque só estava arrumando inimigos. Amigos meus já estavam me olhando com cara feia. Larguei da política e não quis mais saber.

O Brasil vive hoje de ponta a ponta a magia da tocha olímpica, que, em breve, estará passando por nossa cidade. O senhor será um dos condutores. Como está o seu espírito para esse momento?

Simeão – Eu estou esperando a tocha para o dia 17 de julho. Serei um dos que vai carregá-la em Tatuí. Daí, falei para a minha mulher que precisava de um “Keds”. Ninguém sabia o que era. Mudou de nome e virou tênis. Já comprei um tênis, e estou treinando no XI de Agosto, onde dou umas corridinhas para ver se não caio com tocha e tudo no dia da passagem.

Gostaria muito de agradecê-lo por aceitar essa nossa conversa e aproveitar para saudá-lo.

Simeão – Voss, fico muito agradecido por você ter me procurado. Essa entrevista está me dando uma importância que eu também não tenho. Mas, a minha palavra final é essa: vivo em Tatuí, fiz a minha vida em Tatuí, sou tatuiano, quero morrer aqui em Tatuí – não agora, claro (risos).

Vou carregar essa tocha na esperança de que o Brasil melhore, porque nós precisamos melhorar o Brasil. Não podemos continuar no estado em que estamos, e isso vai acontecer, se Deus quiser.

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