Tradição passa de avó para neto e faz doação aumentar





Em determinados meses do ano, a casa da aposentada Circe Machado Bastos muda de “função”. A residência da família, situada em um curtume localizado no bairro Santa Cruz, passa a receber brinquedos “de menino e de menina”.

Doados por pessoas físicas e jurídicas (empresas, em sua maioria), os itens são distribuídos para crianças carentes do município em ação que vem crescendo em volume e apoio. As campanhas realizadas há mais de duas décadas têm ganhado, há dois anos, um reforço mais que especial. É o que conta a aposentada.

Desde 2014, Circe conta com a colaboração de um dos netos para a distribuição de brinquedos para meninos e meninas. O jovem auxilia a avó com a doação de balas.

As entregas são feitas em outubro (quando é comemorado o Dia das Crianças) e em dezembro (em celebração ao Natal). Elas são resultado de um projeto que mobiliza comunidades do Santa Cruz e de bairros atendidos e doadores.

A próxima está programada para o dia 25 de dezembro e deverá beneficiar meninos e meninas que vivem na região do Jardim Tóquio. O bairro será um dos vários percorridos pela aposentada para a entrega de kits com itens específicos.

Os meninos recebem bolas e carrinhos (normalmente, não automáticos); já as meninas, bonecas e ursinhos de pelúcia. Todos os brinquedos são doados, sendo que a maioria precisa ser restaurada pela voluntária. Com a ajuda da família e de amigos, Circe promove a recuperação dos itens. A “fábrica” que revitaliza os brinquedos fica na própria residência da aposentada de 72 anos.

Os trabalhos para a entrega, que marca o fim do calendário de doações deste ano, já começaram. Circe iniciou o recebimento dos itens nesta semana. “Umas três pessoas me trouxeram brinquedos para este Natal”, contou.

Apesar de haver uma “padronização”, a voluntária aceita todos os tipos de brinquedos que possam ser usados. As duas únicas exigências são que eles estejam em bom estado de conservação.

Mesmo que não “intactos”, Circe disse que os brinquedos usados são aceitos nos casos em que é possível restaurá-los. “Só não pegamos os que não têm nenhuma condição de recuperação, porque daí passam a ser lixo”, argumentou.

Para conseguir dar conta da preparação dos kits (todos os brinquedos são separados pela voluntária, amigos e familiares dela), Circe estipulou até o dia 20 de dezembro para receber os brinquedos. A aposentada também pede a colaboração com doação de embalagens e fitas, usadas para preparar os kits.

Nesta nova edição da campanha voluntária, Circe voltará a “colocar a mão na massa”. A aposentada não pôde participar da restauração e separação de brinquedos no Dia das Crianças por conta de um problema na coluna. Ela sofreu um acidente (caiu na cozinha de casa) e precisou usar colete.

“Eu já melhorei e retomei a campanha. Deus fez minha coluna sarar e eu prometi que, enquanto tiver forças e saúde, iria continuar com esse trabalho”, disse.

A motivação da voluntária vem da alegria das crianças. Circe, que, quando pequena, “não teve oportunidades de brincar”, afirmou que a recompensa está no sorriso.

Para ela, o trabalho é uma oportunidade de dar a outras crianças a possibilidade de descobrir o real significado do Natal. “Muitas nem sabem o que é. Então, o pouco que nós todos fazemos para elas se torna muito”, declarou.

Em ocasião especial como o Natal, Circe faz a entrega travestida. Ela usa uma vestimenta diferente. Torna-se a “Mamãe Noel”, figura que gosta de caracterizar com um uniforme “azul”. “Eu também tenho a roupa vermelha”, conta.

Como prefere a azul, a aposentada empresta a roupa vermelha para o neto. Ele também realiza, em paralelo, uma carreata para a entrega de balas às crianças. “Ele se junta com um grupo de amigos e sai distribuindo, antes, nos lugares em que eu vou passar para doar os brinquedos depois”, descreveu.

Tanto avó como neto preferem usar as roupas como forma de “manter a discrição”. Circe explicou que o uso da vestimenta ajuda a preservar a identidade de ambos. Há, ainda, outra explicação: “É bom que ninguém saiba quem está realizando a ação, porque precisamos fazer sem aparecer”.

De acordo com a voluntária, essa posição ajuda a dar maior credibilidade às campanhas. Haja vista ao número de crianças atendidas em 2014 (mais de 2.000). Neste ano, entretanto, a expectativa é de que pelo menos uma centena seja contemplada.

A previsão se deve à arrecadação registrada pela aposentada no Dia das Crianças. Até o ano retrasado, Circe contou que muitas empresas auxiliavam com doações. Por conta da crise financeira, as colaborações cessaram ou diminuíram.

Desta forma, os brinquedos recebidos neste ano vêm de “outras fontes”. Eles são cedidos, em sua maioria, por comerciantes (de médio e pequeno porte) e por pessoas físicas. Também chegam via grupos de jovens e clubes de serviços.

“As pessoas da comunidade têm nos ajudado que é uma barbaridade. Não fosse por isso, nós não conseguiríamos contemplar 80 crianças em outubro”, afirmou.

A campanha do Dia das Crianças deste ano beneficiou meninos e meninas do CDHU (Conjunto de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) “Orlando Lisboa de Almeida”.

Por conta da indefinição do número de brinquedos a serem arrecadados, Circe mudou o sistema de entrega. Na época de “vacas gordas”, o grupo comandado por ela realizava cadastramento de crianças em determinadas regiões da cidade. Com base nesse número, estipulava uma meta e realizava a ação.

De uns anos para cá, a partir da queda da arrecadação de brinquedos (reflexo da crise financeira do país), o grupo achou por bem apenas fazer a entrega.

A distribuição acontece de forma aleatória. “Não faço mais inscrição e nem marco o lugar por onde vamos passar, para não causar frustrações”, disse.

Um dos principais motivos da mudança de estratégia é, justamente, a indefinição do número de brinquedos a serem doados. Circe alegou que, se houvesse cadastro, nem todas as crianças poderiam ser atendidas. Também por causa disso, a voluntária estabelece os tipos de brinquedos que quer receber.

“Nós já tivemos a doação de bicicletas, mas é algo que eu não tenho como dar. Crianças não entendem e, se uma ganha uma bicicleta, a outra também quer”, afirmou.

Em 2016, o grupo pretende percorrer os mesmos bairros pelos quais passou no Natal passado. Desta vez, porém, não precisará fazer uso de caminhão. “Chegou uma época que até o Márcio Antonio de Camargo, do Jardim Santa Rita de Cássia, nos ajudou com um veículo maior. Fizemos nove bairros”, relatou.

Além de brinquedos, a voluntária pede a doação de roupas e calçados. Os itens são cedidos em separado para as crianças. Contudo, Circe mantém as ressalvas. Ela disse que as peças não precisam ser novas, mas estarem em boas condições.

As doações podem ser agendadas por meio do telefone 3259-7214. Quem não tiver condições de fazer a entrega deve solicitar a retirada dos materiais com antecedência.