Projeto Guarda Mirim é cancelado por ‘não respeitar’ leis do ECA





O projeto Patrulha Mirim, que visava a inserção no mercado de trabalho de adolescentes de 13 e 14 anos, por meio do Jovem Aprendiz, está oficialmente suspenso pelo Conselho Tutelar do município. A ação também investia em medidas socioeducativas e de formação pessoal.

Idealizado pelo diretor do Departamento Municipal de Trânsito de Tatuí, Francisco Antônio de Souza, Quincas, que, na época, era coordenador, o programa foi desenvolvido em abril de 2013, pela pasta da Secretaria da Indústria, Desenvolvimento Econômico e Social, recebendo apoio do então secretário, Ronaldo José da Mota.

Tendo como base os requisitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o projeto só seria legalizado se atendesse aos seguintes requisitos: registro junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA); instalação em condições adequadas de habitalidade, higiene, salubridade e segurança; e plano de trabalho seguido pelo ECA, entre outros.

Mesmo sem atender às normas, a Guarda Mirim de Tatuí iniciou as atividades num espaço cedido pelo Colégio Objetivo. Nesse local, durante um ano, o programa funcionou sem estar regulamentado, segundo o Conselho Tutelar.

Apesar de o programa ter sido fundado em 2013, a Secretaria da Indústria solicitou a inscrição junto ao CMDCA em 11 de abril de 2014, quando o projeto já estava em andamento.

“Na verdade, antes desse período, o Quincas (coordenador) já havia solicitado essa inscrição, e ele tentou dar entrada nisso várias vezes no conselho, mas não ia para frente, pois faltava algum documento”, esclareceu Alessandro Bosso, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Ainda conforme Bosso, a demora também aconteceu pelo processo de alteração dos registros. “Ele dava entrada dos documentos, mas, até nos moldarmos dentro da legislação, demorou um pouco, porque, por exemplo, tinha uma portaria que nomeava o responsável como presidente, mas não existe presidente de projeto. Então, solicitamos uma nova (portaria), e aí veio o título “coordenador do projeto Guarda Mirim””.

Para conseguir a inscrição, o próprio presidente do CMDCA auxiliou na elaboração do plano de trabalho do programa, adequando-o conforme as normativas do ECA.

Com a documentação já pronta e protocolada no conselho, o órgão deu o próximo passo: solicitou a inspeção do Conselho Tutelar, para que fossem averiguadas as necessidades da Guarda, bem como se as instalações adequavam-se aos parâmetros do ECA. E o resultado não foi satisfatório.

Na vistoria, o Conselho Tutelar apontou a ausência de um plano de aplicação de recurso, falta de atividades com as famílias dos garotos envolvidos, além da não apresentação do termo de parceria sobre o espaço físico.

Mas, para Bosso, os problemas legais precedem a vistoria. “A Guarda Mirim só fechou por não ter respeitado os requisitos legais para ser instituída, e não houve um planejamento para isso. Não que a ideia não fosse boa, ela é maravilhosa, mas não respeitou as normas legais”, acredita.

Além de ser caracterizada como projeto e não como entidade, por ser desenvolvida pela Prefeitura, outro obstáculo contribuiu para a interrupção da atividade: ela era um projeto governamental, o que foge ao artigo 91 do ECA.

O artigo prevê que “as entidades não governamentais somente poderão funcionar depois de registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual comunicará o registro ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária da respectiva localidade”.

“É aqui que está o ponto, uma ‘entidade não governamental’. Agora, a Guarda, na verdade, era governamental, porque era um projeto do poder público”, explica o presidente.

Ainda segundo Bosso, outro problema apresentado na formatação do programa envolvia a inserção de menores no mercado de trabalho, a qual, segundo ele, não poderia ser realizada.

“Por ser um órgão governamental, a Prefeitura não poderia colocar esses meninos no mercado por não ter uma autorização do Ministério do Trabalho, que, na verdade, não tem como ceder ao poder público.”

De acordo com Bosso, o único meio possível, então, seria a Guarda Mirim formar os adolescentes até os 14 anos e, então, encaminhá-los às entidades sem fins lucrativos, como o Instituto Tatuí ou o CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola) – o que não deu tempo de ser posto em prática.

Mas, os problemas ainda estenderam-se. A Patrulha Mirim, que funcionava em um espaço cedido pelo Colégio Objetivo, sediado na rua Professor Oracy Gomes, não tinha documento que comprovasse o empréstimo e nem o tempo previsto dessa concessão. Mesmo atendendo a alguns requisitos do ECA, a falta do termo de parceria pesou na decisão do Conselho Tutelar.

“Na vistoria das instalações (estrutura do prédio), o projeto passou sem problema nenhum, só que tinha uma questão: a sede, que era emprestada e não fixa, não tinha um termo de parceria espaço-físico. Mas, o local era utilizado e não tinha um documento apontando até quando ele ia ficar lá”, explica.

Antes mesmo do parecer do Conselho Tutelar, o CMDCA também observou uma série de “equívocos”. “Além dos mencionados, tinha uma correção no requerimento da inscrição, que constava como ‘Patrulha Mirim’, quando, na verdade, o correto é “Projeto Guarda Mirim”, como previsto em lei. Então, tinha que alterar. Mas, o CMDCA ajudou em tudo o que foi possível”, afirma o presidente.

A Guarda Mirim, que até então formou duas turmas, encerrou as atividades em Tatuí logo após a desaprovação do Conselho Tutelar, em outubro de 2014.

“Após a decisão, o projeto foi fechado, pois, para continuar, ele teria de começar do zero. Não que o desejo de quem criou não era bom. Mais isso, ele se faz necessário em Tatuí”, acredita.

Por enquanto, não existe planejamento para que o projeto volte a funcionar. “Há cobranças para que eu reative a ação, porém, não encontro um meio de fazer isso – pelo menos, não nesse momento”, lamenta.