‘Papel’ do jornalismo





É certo que, para o leitor, para o cidadão preocupado em superar os problemas diários, o futuro – ou falta dele – de uma profissão alheia não lhe faz diferença. No entanto, e se essa profissão for vital a seu modo de vida, à sociedade em que ele vive? Aí, certamente, o interesse passa ser outro.

O jornalismo tem sido questionado nos últimos anos, em particular quanto à própria sobrevivência do profissional da notícia e das empresas de comunicação, sobretudo em relação aos impressos, supostamente fragilizados pela mídia digital.

A princípio – como tem sido ecoado à exaustão -, o impresso sobreviveu ao rádio, que continua aí, a despeito do advento da TV, a qual segue, apesar da internet… Mas, é preciso diferenciar veículos de “comunicação” de veículos de “informação”, os quais podem, ou não, ser a mesma coisa.

Os que comunicam nem sempre informam – dependendo da “fonte”, ao contrário, desinformam -, ao passo que os de informação, invariavelmente, são produzidos por meio dos de comunicação. Exemplo: um jornal circula por meio da mídia impressa, focando, prioritariamente, reportagens informativas; músicas, que não são confundidas com notícias, são transmitidas pelo rádio; telejornais e novelas, que não têm nada a ver um com o outro, “passam” no mesmo veículo, a TV; fofocas e ofensas, as quais pouco contribuem com o senso crítico, são propagadas pelas redes sociais.

Portanto, todos os veículos de comunicação costumam somar informação a outros conteúdos, que podem ser de entretenimento ou, mesmo, pura exaltação do ego e da maldade humana.

Diante desse forrobodó de “comunicação”, surgem as incertezas e confusões, como a ideia de que qualquer um com um computador está prestando serviço informativo quando dá sua opinião sem critério no “Face”, num exemplo banal.

Certamente, isso é comunicação, embora não informação. Jornalismo implica em apuração, checagem, confecção de texto – e ou imagem –, e revisão, tudo de forma clara e objetiva.

Vai daí o fato de que, apesar de tanto discurso acerca do suposto caráter democrático da internet, perto de 90% das notícias compartilhadas nas redes sociais partem dos veículos chamados “tradicionais”.

Não seria por outra razão que grandes jornais mundo afora, ao passo em que têm perdido parte de leitores no papel, ganham ainda mais no digital.

Conscientes a respeito, os jornais “tradicionais” têm investido crescentemente em suas plataformas digitais, assim, fazendo aumentar o número de leitores.

No momento, é consenso que nunca se leu tanta notícia no mundo. Ou seja, o jornalismo nunca produziu tanto e teve tanta repercussão.

O problema, por sua vez, é que ainda existe um grande equívoco quanto ao jornalismo digital, tal como em quase tudo propagado pela internet. Basicamente, tem-se a falsa ideia de que tudo que vai pela rede, obrigatoriamente, deve ser de graça.

Contudo, a publicidade – que sustenta, paga, garante a sobrevivência dos veículos – não acompanha essa tendência.

Certamente, parte dessa ressalva deve-se, justamente, à falta de credibilidade que marca as publicações, os “posts”, a profusão de opiniões sem fundamento, que ganham o planeta em simples cliques.

Isto aliado à falta de educação – que parece ser fetiche nas redes sociais – e à covardia – vez que, por certo, o indivíduo que posta ofensas na rede jamais teria coragem de dizê-las “na cara” daquele que critica -, acabam por comprometer a internet como um todo, não apenas as tais redes sociais.

Esta particularidade, menos preocupante aos leitores, não passa despercebida aos anunciantes, que relutam em vincular suas marcas na internet, mantendo-se fieis ao impresso.

A conclusão disto redunda na encruzilhada, no impasse: como manter a produção da notícia – e a sobrevivência da própria profissão de jornalista – com menos publicidade, a despeito de mais leitores?

Com o objetivo de discutir exatamente essa questão, o futuro das empresas de comunicação frente à realidade digital, o jornal “Folha de S. Paulo” promoveu, dia 18 do mês passado, debate focando o modelo de negócios do jornalismo.

Nele, foi apontada justamente o impasse: ainda que boa parte dos leitores esteja migrando para a internet, a “receita que faz a roda girar” continua sendo gerada pelo papel.

Do evento, participaram os jornalistas Leão Serva e Eugênio Bucci, Vera Guimarães, “ombudsman” da “Folha”, e Sérgio Dávila, editor executivo do jornal.

Entre diversos aspectos abordados, um dos principais, segundo Bucci, “é a necessidade de uma perspectiva institucional de sustentação do jornalismo, já que a democracia precisa de grandes redações independentes”.

“Onde estará o olhar capaz de questionar os problemas da gestão da coisa pública? É para isso que a democracia inventou a imprensa, e por isso que precisa dela. Essa interrogação ainda está sem resposta”, observou.

Também foi de observação dele o fato de que, se o país – o cidadão consciente – quer uma imprensa livre e confiável, precisa pagar por isso. Caso contrário, quem pagaria? Os governos? Neste caso – nada raros no interior -, como fica a credibilidade da notícia? Em que ela se diferenciaria da “conversa de feira” (conforme o debate na “Folha”) – ou da “suruba do narcisismo” (termo do filósofo Luiz Felipe Pondé) – presenciada nas redes sociais? Em nada, posto que comprometidas pelo aspecto tendencioso.

Não é por outro motivo que os grandes portais seguem a tendência de reservar seu noticiário aos assinantes, que pagam por isso e, desta maneira, não necessariamente compensam a cautela dos anunciantes na “net”, mas prestigiam e reconhecem o jornalismo profissional.

A democracia tem um custo, sim, igual ao trabalho de cada indivíduo, e se essa democracia depende da imprensa livre para sobreviver, o produto dela – que é a notícia isenta e profissional – também deve ter preço.

No mais, é desconhecido que, num país não comunista, alguém trabalhe a troco de nada. O mesmo cidadão que quer a notícia de graça – como se ela não tivesse valor, ou não custasse para ser produzida – não abre mão do salário no dia certo.

Com certeza, caso isso ocorresse, chamaria seu patrão de “porco capitalista”, de canalha, tal como sentencia a imprensa que cobra por seu serviço. Esse equívoco, infelizmente, ainda é comum quando concernente à internet.

Geralmente, as fofocas são de graça e as ofensas, gratuitas. Mas, a informação séria e correta demanda trabalho e custo, portanto, tem valor e preço. Resta saber se, diante da encruzilhada da comunicação, a maioria da população vai optar por uma democracia real ou virtual.