O início

O José Batata não é fácil. Trabalhador incansável, é um carpinteiro/moveleiro de mão cheia. Pura genética! Seu pai, Tonico Carpinteiro, como o apelido está dizendo, era do ramo, e a maioria de seus filhos seguiu seu ofício. Mas o Batata vai mais longe: além das mãos mágicas em transformar o mogno, cedro ou jacarandá em finas peças, sua cabeça navega no passado em busca de fatos acontecidos e perdidos na bruma do tempo, com ele ou com conhecidos e amigos. E daí, ele encontra um tempinho e vai rascunhando suas lembranças num inseparável caderno brochura. Foi numa dessas que emprestamos o tal caderno do Batata e garimpamos alguns causos que reproduzimos a seguir:

 Que desperdício!

Samuel era pintor, e dos bons. Só que gostava de tomar umas talagadas. Certa vez, ele estava lá em cima de uma escada e, de repente… não estava mais. Estava no chão, e com um baita corte na testa.

Uma pessoa o acode e vê, em sua sacola, uma garrafa de pinga, que imediatamente a derrama no feio corte da testa e, a seguir, o conduz até a Santa Casa, onde lhe aplicam oito pontos e quase 15 centímetros de esparadrapo.

Ao receber alta, voltou para o lugar de onde levara o tombaço e, ao ser rodeado pelos amigos e curiosos, desabafou:

– Deu tudo certo, obrigado. Mas, foi um desperdício, acabou com minha pinga. Todinha…

Foi daí que a pessoa que o havia socorrido comentou:

– Por isso que ele estava com a língua de fora, pensei que era devido à pancada e, na verdade, era para tentar evitar o desperdício!…

O carnavalesco

O pedreiro Mário Campubri era muito popular na cidade. Ele tinha um hábito peculiar e certeiro de atirar as bitucas de cigarros. Era tiro certo. Longas distâncias e pontaria perfeita.

Campeão em levantamento de copo, mas infalível no arremesso de bitucas. Se houvesse essa categoria nas Olimpíadas, ele seria ouro na certa. Apesar desse seu talento pouco reconhecido, era muito bom profissional e querido.

Certa vez, durante os festejos de Momo, o Mário, por ser loiro e barbudo, mandou fazer uma fantasia de profeta, e, logo à tarde da sexta-feira de Carnaval, saiu pela cidade, ou melhor, de bar em bar, onde benzia todo mundo, em nome da Santa Rosa, São Francisco e outros santos.

Andando pela Praça da Matriz, distribuindo bênçãos, apareceu um cidadão que não gostou da brincadeira e deu uma dura no folião representante do “Brasil para o litro”.

Começou aí uma discussão que foi aumentando cada vez mais. Sai do meio do povão do “deixa disso” e do “quem for homem cuspa aqui” e, em voz alta e segura, ordena que todos parem com aquela arruaça. E, virando-se para o Mário, diz:

– Eu sou o delegado, e você quem é?

Mário mede o homem dos pés à cabeça, duvida que ele seria mesmo um delegado e responde?

– Eu sou o profeta! – e dá um sonoro arroto…

O homem era de fato o delegado José Bonato, que levou o folião até a cadeia, a qual, nesse tempo, localizava-se na rua 11 de Agosto, em frente à loja do Eloi Machado.

Quarta-feira de Cinzas, o delegado manda soltar o santificado carnavalesco – não antes de pelar sua cabeça e tosquiar sua barba -, que sai resmungando:

– Esta é minha última profecia, nunca mais vou duvidar do homem de preto, nunca mais!…