Jovem supera limitações e mobiliza ‘rede’





Clara é uma menina especial, que mora com a mãe, Sueli. Ela estuda em uma escola também especial, onde pratica atividades com o professor Daniel. Clara tem síndrome de Down, está descontente com a condição e é personagem central de livro a ser lançado em Tatuí no mês que vem.

Intitulada “Uma Viagem ao Mundo de Clara”, a obra é o primeiro trabalho – de muitos que estão em processo de produção – do jovem Lucas Soares Zorzetto. O livro terá divulgação e venda oficializados na noite do dia 6 de maio.

O evento está programado para as 19h30, no Centro Cultural Municipal, e envolve uma verdadeira “rede de apoio”, criada por iniciativa de pessoas próximas ao autor.

Amigos e equipe da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), onde Zorzetto frequentou atividades, começaram mobilização, em prol da divulgação, por conta do esforço do jovem, que superou os próprios limites.

Zorzetto tem 27 anos e descobriu há bem pouco tempo (o diagnóstico veio aos 22) que é portador da síndrome de Asperger. Natural de São Paulo, o jovem recebeu apoio e direcionamento na entidade apaeana depois de enfrentar uma depressão.

Na Apae de Tatuí, ele desenvolveu atividades, fez amigos e teve a inspiração que o motivou a “sonhar mais alto”. A obra é fruto da amizade entre o autor e outra frequentadora da entidade, onde Zorzetto se tornou próximo de uma jovem de prenome Sabrina.

“Ela é sempre muito receptiva com todo mundo. É uma pessoa muito legal, muito fantástica. Ela sempre mandava cartas para mim. Daí, eu ia mandar outra para ela, agradecendo pela amizade. Só que, num determinado dia, veio a inspiração de escrever uma redação, algo para colocar na carta”, contou.

Empolgado com a ideia, Zorzetto não se deu conta do tamanho do texto, até ser avisado pelo professor e artista plástico Pedro Couto. “Eu não tinha noção de nada. Só depois é que fui ver que estava grande”, contou o jovem escritor. A motivação com a nova tarefa manteve-o ocupado por seis meses.

Por sugestão da mãe, o jovem decidiu transformar o trabalho em algo proporcional. “Ela me perguntou por que eu não mandara o texto para alguma editora, para ver no que isso ia dar. Daí, fui atrás disso”, explicou.

A primeira tentativa não vingou. O entrave se deu pelo fato de a editora exigir o pagamento antecipado para a publicação da obra. Mas, a experiência serviu para que o jovem pudesse afinar o texto até encontrar um modo de imprimir o trabalho.

Nos contatos seguintes, Zorzetto enviou a história já organizada para as editoras. “Eles (os representantes) gostaram muito da ideia, mas disseram que o texto estava bagunçado”, disse. A correção ficou a cargo de Couto, professor que auxiliou o autor a reestruturar a história de modo a deixá-la mais concisa.

Para essa tarefa, Zorzetto também recebeu ajuda de uma professora de português. Na época, ele fazia curso técnico em informática na Etec (Escola Técnica) “Salles Gomes”, comentou sobre a questão e obteve apoio da docente.

“Fui reorganizando e mandando o texto para as editoras. Cada uma me ofereceu um preço. Teve até uma que queria publicar o livro no Brasil e em outros países de língua portuguesa, mas eu não consegui editar porque tinha de pagar na hora. Eles até chegaram a baixar o preço, mas não deu”, relatou o jovem.

A peregrinação durou uns bons meses, rendendo contrariedade a Zorzetto. O jovem contou que ficou triste com o fato de receber “nãos”, mas acabou persistindo. A determinação resultou na publicação de mil exemplares.

Os livros serão colocados à venda com ajuda da equipe da Apae. A gerente de projetos da instituição, Rita de Cássia Leme Ramos, destacou que o papel da associação é o de buscar parceiros para viabilizar uma noite de autógrafos.

Ela também passou a formatar o processo de divulgação da obra, de modo a continuar motivando o autor a produzir novos livros. “Se ele tem essa habilidade, nós queremos que ele siga escrevendo novos trabalhos”, comentou.

A primeira obra do jovem tem o selo da editora Estante do Autor. O livro será vendido a R$ 33 e já conta com pré-venda. A aquisição antecipada pode ser feita por meio do telefone 3251-4171, da Apae (falar com Telissa) em horário comercial.

A editora “abraçou a causa” do jovem e aceitou publicar os livros com a condição de que o pagamento fosse feito a partir das vendas. Zorzetto recebeu 300 dos mil exemplares para comercializar. Os 700 restantes são vendidos pela editora.

O jovem escolheu o mês que vem para fazer o lançamento para ter tempo de pensar nos preparativos. A ideia é viabilizar um coquetel, com distribuição de convites. O Centro Cultural foi escolhido em função da disponibilidade e por ter espaço que comporta maior número de pessoas.

A Apae se engajou na missão de auxiliar Zorzetto em função da ligação que ele teve com a instituição. O escritor não frequentou aulas na Escola de Educação Especial “Wanderley Bocchi”, mas, por um bom tempo, integrou grupo atendido pelo centro de convivência socioeducacional, uma vez que a deficiência dele não o impede de avançar nos estudos em instituições de ensino regular.

Também definida como TGD (transtorno global do desenvolvimento), a síndrome de Asperger é resultado de uma “desordem genética”. Ela possui semelhanças com o autismo, mas não causa atrasos no desenvolvimento da fala e cognição.

Tanto é que o jovem autor possui o ensino médio completo e integra quadro de funcionários de uma metalúrgica. A desenvoltura dele é resultado do período no qual passou sendo atendido na instituição.

Rita contou que o jovem chegou ao local com problemas de comunicação e interação social. A indicação veio da irmã do escritor, uma musicoterapeuta e funcionária da instituição. Rita explicou que a profissional mencionou que, apesar de avançar nos estudos, ele não fazia atividades.

“Ele veio, realmente, por causa da questão de convivência, de relacionamento com o grupo. Mas, ficou pouco tempo aqui”, ressaltou a gerente de projetos.

Mesmo não tendo passado longo tempo na instituição, o jovem não só conseguiu interagir em grupo como surpreendeu a todos. Além do livro, Zorzetto conquistou um trabalho, por meio de projeto de inclusão do centro de convivência.

Ele iniciou no emprego no dia 20 de outubro de 2014, quase dois anos depois de ter entrado na Apae. Zorzetto é um dos muitos assistidos pela instituição que conseguiram trabalho por meio do projeto de emprego apoiado.

Trata-se de iniciativa da equipe de assistência social da Apae. Por meio dele, as profissionais da instituição vão até as empresas para uma “observação” dos postos disponíveis.

Depois, a equipe volta para a entidade e analisa o perfil dos frequentadores do centro de convivência. A partir daí, o processo de inclusão é iniciado com base em indicação de adaptações.

O projeto envolve terapeuta ocupacional e psicóloga e já incluiu 25 atendidos pela Apae. A iniciativa conta com colaboração de empresas locais. “Elas têm que estar dispostas a receber esse nosso público”, enfatizou Rita.

A conquista do emprego marcou um novo momento na vida do jovem. Até descobrir a veia para a literatura, Zorzetto vivenciou muitas mudanças – em especial, a que resultou no diagnóstico da síndrome. “Ninguém sabia que eu tinha essa deficiência. Não dava para perceber. É muito difícil de reconhecer”.

O próprio escritor contou que não tinha consciência da síndrome. “Eu ‘pedalei’ um pouco na escola, em algumas matérias, mas isso, para mim, era normal”, falou.

Depois de passar por várias entidades – uma delas na qual ele “reprovou” em teste para avaliação de limitação – e cidades, Zorzetto retornou para Tatuí. Na volta, trouxe com ele a depressão e, então, o diagnóstico de síndrome de Asperger.

O ingresso na Apae motivou a melhoria. “O ambiente aqui (na entidade) é propício. As pessoas que ensinam e os funcionários tratam bem a gente”, comentou.

Citado em entrevista, esse reconhecimento à instituição consta, de forma singela, no livro do jovem. Zorzetto incluiu na história pessoas que ele conheceu na Apae. Os profissionais foram inseridos no enredo como personagens. Também há menção de um parente, um tio que faleceu no ano de 2012.

Para o próximo volume, novas figuras devem ser incluídas. O segundo livro é anunciado como uma continuação da história de Clara, mas com novidades.