Enquanto é possí­vel





Ingenuamente, há quem acredite que a revista “Veja” cometeu grande pecado contra a presidente reeleita Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores. Mas, não. Na prática, pode ter dado início à concretização de um dos maiores desejos do projeto de poder desse governo, que é controlar a mídia no país.

Feito outras medidas totalitárias impostas pelas repúblicas ora denominadas “bolivaristas” – Venezuela e Argentina em particular -, um novo marco regulatório da comunicação seria o instrumento legal para o sonhado controle, cujo maior mal seria o efetivo retorno da censura.

Evidente que o discurso oficial aponta o sentido inverso, ecoando uma suposta “democratização da mídia”. Para tanto, seria criado o Conselho Nacional de Comunicação (sempre eles, os conselhos, apontados como solução para tudo), com poder para determinar o que pode e o que não pode ser veiculado pela mídia.

Até mesmo programas de entretenimento seriam “avaliados” por esse conselho, podendo ser impedidos de chegarem às casas do cidadão brasileiro – exatamente como na época da ditadura…

Para disfarçar a tão clara proximidade, é apontada a participação da “sociedade civil” no conselho, composto por integrantes do poder público – Ministério das Comunicações, particularmente -, também responsáveis pela indicação dos representantes da sociedade.

Ou seja, um órgão composto por gente do governo somada a gente simpática ao governo – até porque seria estranho o convite a oposicionistas. Portanto, novamente, à imagem e semelhança das ditaduras.

Uma dúvida do passado nacional seria a mesma do futuro em determinado aspecto: quem seriam esses gênios do governo e da sociedade civil, imbuídos de tamanha sapiência, para saber o que você pode e o que não pode ver, ouvir, ler?

Na incógnita, é de se pensar: poxa, por que não realocar esses excepcionais da Comunicação para a Fazenda, a Saúde, a Educação, a Infraestrutura, a Previdência, ao Trabalho e Emprego e elevar logo de uma vez o Brasil ao patamar de país de primeiro mundo?

Vai saber… Uma hipótese seria a de que, talvez, não exista gente assim tão mais capaz e inteligente que você, tanto para fazer milagre quanto para decidir o que os demais podem consumir, testemunhar, saber…

Em síntese e entre diversos pontos, além do conselho, o novo marco regulatório imporia a “participação social”. Consta no projeto que “a sociedade deve ter meios legais para se defender de programação que contrarie os princípios constitucionais”.

Que é isso? Também, vai saber… Ou melhor, tudo aquilo que não interessar ao governo ou que possa dar margem a qualquer mínima falta para com o maldito “politicamente correto”.

Por consequência, programas de humor seriam banidos da mídia (salvo, quem sabe, se apenas fizessem piada com a oposição ou com os seres “perfeitos”, se é que isto existe), tal como as polêmicas e denúncias em geral.

Por derradeiro, o contraditório, o questionamento e a crítica desapareceriam –sonho dourado para todo e qualquer governo autoritário.

No jornalismo, seria o retorno da antiga lei de imprensa de 1967, só que piorada no sentido da imposição de uma autocensura, acabando por torná-la desacreditada pela falta total de credibilidade – outro caro objetivo ao autoritarismo.

Ainda há a proposta de separação de infraestrutura e conteúdo junto às empresas de comunicação concessionárias, como rádios e TVs.

A infraestrutura e a programação de cada veículo teriam de ser independentes, com licenças diferenciadas e serviços tratados de forma separada.

Com isso, os veículos teriam duas preocupações: além do que seria veiculado, teriam que saber como seria veiculado, visto que precisariam de licenças para os canais e para a programação.

Por essas razões, caso o sonho governamental se realize, muitos comunicadores apontam para um desfecho apocalíptico do jornalismo brasileiro, pois o Estado teria controle praticamente total das mídias, até mesmo das redes de transmissão.

Na mesma sintonia, seria catastrófico se o outro sonho de consumo do governo fosse alcançado, os chamados conselhos populares, os quais, praticamente, acabariam com o poder do Legislativo, abrindo caminho à ditadura disfarçada – projeto ora derrotado na Câmara Federal.

No sentido contrário – impulsionado pela “Veja” –, nunca esteve tão em pauta o projeto de intervenção na mídia. O discurso do partido é unânime e afinado desde a alta cúpula do governo aos comitês municipais pelo país afora: a “culpa é da mídia”.

Pelo discurso bem-sucedido de conto de fadas, que coloca o “bem” contra o “mal” – o sulista contra os nortistas, os homens contra as mulheres, os brancos contra os negros, os héteros contra os homos, os (imaginários) perfeitos contra os “portadores de necessidades especiais”, a “elite branca” contra todos -, a imprensa é posta do lado dos vilões e, portanto, precisa ser “democratizada”.

Interessante é que, quando a “Folha”, por exemplo, denuncia o aeroporto em área da família do candidato Aécio, tudo bem – está fazendo seu papel; quando aponta que a companhia de águas de São Paulo está tapando a caixa d’água vazia com mentiras, também está tudo certo. Porém, quando noticia sobre corrupção na Petrobras, aí é golpe!

Daí o presente de “Veja”, que deu a desculpa para se justificar não mais, apenas, a regulamentação da mídia, a qual, a princípio, não seria negativa diante dos novos meios de comunicação, como a internet especialmente.

Uma coisa é regulamentar diante de novas realidades; outra é intervir no conteúdo dos veículos. A presidente Dilma, em inúmeras ocasiões, havia declarado ser totalmente contra a intervenção, a despeito da indisfarçada intenção partidária.

Ótimo. Ela, sem dúvida, é uma democrata, cuja reeleição foi legítima e, assim, deve ser respeitada. Movimentos bobos em contrário não ajudam em nada. No entanto, Dilma não governa sozinha e, diante da indignação quanto à denúncia de que sabia da corrupção na Petrobras, às vésperas da eleição, parece ter mudado um tanto o discurso, afinando-o mais aos sectários do partido.

O fato é que, extremistas ou não, todos sabem muito bem que a revista não fez diferença. E aqui está o grande e maior “castigo” que ela levou – e o qual vale para todos os veículos de comunicação: a perda da credibilidade.

Muito mais que ações de indenização, censura prévia e o que mais essa regulamentação pretenda, a verdade é que a credibilidade é o maior patrimônio dos veículos de comunicação.

Perdê-la é a maior punição. E é impossível que o governo não saiba disso. Portanto, estaria agindo de má-fé se usasse o episódio para impor o Conselho Nacional de Comunicação.

Basta observar que a reportagem foi publicada na sexta-feira, 24, e o resultado das eleições correspondeu exatamente aos números da maioria das pesquisas, divulgadas antes. Ou seja, não fez diferença.

E por que não fez diferença? Porque é notório que “Veja” se coloca na oposição ao governo do PT desde sempre. O resultado é que suas reportagens têm pouco peso e são facilmente questionadas, como fez a candidata Dilma no último debate e na propaganda eleitoral, desacreditando a denúncia por falta de credibilidade do veículo. Pronto! Precisou de censura?

O fato é que uma casta da política nacional insiste – sabe-se se lá se com razão – em tratar o povo como incapaz de avaliar o que lhe interessa e às suas famílias.

A postura paternalista, no mínimo, mais uma vez, é típica de algo muito distante da democracia e da liberdade, posto inerente e fundamental ao autoritarismo, às ditaduras (Getúlio, o “pai do povo”; Hitler, “may fuher” etc, etc). Aí, o perigo.

Finalmente, por que abordar assunto nacional em um jornal do interior? Simplesmente porque ainda podemos! Se a gana autoritária vingar, quem sabe, no futuro, este espaço tenha de ser preenchido com receita de bolinho de frango caipira ou bolo de fubá com queijo.