Elisa Lobo questiona técnica atual em mostras gratuitas no municí­pio





David Bonis

Produzidas com ajuda, telas de Elisa estão no Centro Cultural

 

Ainda dá tempo de visitar as exposições de autoria da artista plástica Elisa Lobo em cartaz no Centro Cultural (praça Martinho Guedes, 12). Tratam-se das mostras “A Água é Viva” e “Janelas Contemporâneas – A Arte da Inclusão Social”. As exposições são fruto de trabalho da artista plástica com ajuda de ex-colhedoras de café.

Diferente dos modelos de arte vigente, feitos em telas e pincéis, Elisa usa tecidos, tapeçaria e linha, resultado de 35 anos trabalhando com moda.

Segundo ela, esse modo de fazer os trabalhos torna a atividade mais demorada. As peças que compõem “A Água é Viva”, por exemplo, demoraram entre 10 e 14 meses para serem concluídas.

A mostra permanece no Centro Cultural até a próxima quarta-feira, dia 1o. O público encontra peças coloridas de 8 a 12 metros, feitas à mão, semelhantes à águas-vivas.

A ideia da artista plástica por traz do trabalho é “questionar justamente a ação – ou falta dela – do homem sobre a água”.

“(Esse trabalho tem) conotação com o meio ambiente, sobre como se cuidar das águas do planeta. Lendo muito sobre a água, vi que ela não é renovável no planeta. Essa informação, para mim, foi um horror, me assustou bastante. Foi uma das coisas que me levaram a ter esse conceito”, explica.

Ela conta que a mostra iniciou-se pela necessidade de dar trabalho às ex-colhedoras, sobretudo nos períodos de entressafra da colheita.

Antes de vir para Tatuí, a exposição, que tem curadoria do diretor do Departamento de Cultura e Desenvolvimento Turístico, Jorge Rizek, já esteve em Toronto, no Canadá. O próximo destino será o Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco.

Para Elisa, os trajetos que a mostra percorreu são motivo de orgulho, sobretudo porque o trabalho é feito em parceria com mulheres de baixa classe social.

Até por isso, a artista plástica refuta a ideia de que a arte clássica ou contemporânea “não é coisa de pobre” e que pessoas de classe social mais baixa não têm capacidade de fazer arte ou apreciar o objeto artístico.

“Acho que é totalmente o inverso. As pessoas não propiciam isso a essa classe. A arte é uma coisa elitizada, até pelo próprio custo. Raramente uma pessoa pode adquirir uma obra, tanto que elas ficam em instituições ou com colecionadores particulares”.

“Esse pensamento é totalmente equivocado, porque não demonstra o que elas sentem. Demonstra o que essa sociedade faz com essas pessoas. É totalmente o inverso, elas não só apreciam, como também fazem arte”.

A outra mostra de autoria de Elisa Lobo em cartaz no Centro Cultural é “Janelas Contemporâneas”. São cerca de 20 esculturas de tecido bordado, dispostas em um labirinto.

Essa mostra consiste em bordados feitos por Elisa com ajuda das ex-colhedoras de café, a partir de quadros clássicos de artistas mundialmente famosos. Em alguns casos, as peças são representações fieis dos originais. Em outros, no entanto, ela fez pequenas interferências.

Ao entrar no labirinto da exposição, a primeira peça é uma releitura de “A Leiteira”, cujo autor é o holandês Johannes Vermeer (1632-1675). Na pintura original, uma empregada de cozinha põe leite em uma jarra.

No trabalho de Elisa, no entanto, há uma pequena diferença. O leite está transbordando. “A relação do tempo é o diálogo que faço no caso desse quadro”, adianta a artista plástica.

“Uma coisa que se vê pelo quadro original é que, no tempo dela, as coisas eram feitas com atenção porque não tinham outras distrações. No nosso mundo, hoje, é uma correria, um loucura, que, às vezes, nos distraímos por envolvimento com outras coisas e não damos atenção para ações consideradas simples”.

Outra intervenção feita pela artista plástica foi no quadro do pintor inglês Frederic Leighton. No original, uma mulher dorme em cima de um tapete persa, mas, no trabalho de Elisa Lobo, o sono da moça acontece sob um tapete de Lexotan, remédio para dormir. “A ideia é mostrar que o sono moderno está nesse nível”.

Além da representação de Vermeer e Leighton, a mostra traz bordados de outros quadros clássicos, como “Monalisa”, de Leonardo Da Vinci; “Guernica”, de Picasso; e “O Nascimento de Vênus”, do italiano Sandro Botticelli.

Em “Guernica”, obra de 1937, feita para representar o bombardeio durante a guerra civil espanhola à cidade de mesmo nome, Elisa inseriu fotografias de confrontos bélicos atuais para dizer que Guernica continua se repetindo todos os dias.

“As pessoas entendem essa nossa ideia de tentar traduzir o que um grande mestre da arte fez. E as intervenções são sempre bem sutis, que não denigra a obra. A intenção é travar um diálogo”, explica.

Ao ser perguntada, Elisa reconheceu que seu trabalho questiona os modelo de produção artística vigente ao reunir, em um mesmo trabalho, a inserção de mulheres pobres produzindo arte, a intervenção em quadros clássicos e o uso de linha e tecido. Por tudo isso, ela diz que o resultado é bastante satisfatório.

“As pessoas ficam rendidas quando veem o trabalho porque, em um primeiro momento, elas não sabem se é uma pintura, se é tapeçaria. Quando a gente fala que é bordado, elas ficam impressionadas”.

Ambas as exposições permanecem até a quarta-feira, no Centro Cultural. O horário de visitação é das 10h às 21h, com entrada gratuita.