‘Cibercrime’ aumenta e faz novas vítimas

Adriana e Luiz Augusto D’Urso junto ao diretor-geral da Faesb, Antônio David Julian (foto: Diléa Silva)

Com a migração de transações bancárias para a rede virtual, os criminosos também são atraídos para esse ambiente, o que tem resultado em aumento no número de crimes cibernéticos. As afirmações são dos advogados criminalistas Adriana e Luiz Augusto Filizzola D’urso.

Adriana é mestre e doutoranda em direito penal pela Universidade de Salamanca (Espanha), pós-graduada em direito penal econômico e europeu, pela Universidade de Coimbra (Portugal), e estudou ciências criminais e dogmática penal alemã pela Universidade Georg-August-Universität Göttingen (Alemanha).

A advogada atua como diretora da Comissão Brasileira das Advogadas Criminalistas da Abracrim (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas), é membro fundadora da CJLP (Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa) e da ABMCJ (Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas) e ainda atua como membro do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

D’Urso é pós-graduado pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha), pela Faculdade de Direito de Coimbra (Portugal) e pela Faculdade Ibmec São Paulo. Atua como advogado especialista em cibercrimes e é coordenador e professor do curso de direito digital e cibercrimes da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas).

O advogado ainda é professor de direito digital no MBA (grau acadêmico de pós-graduação) da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e presidente da Comissão Nacional de Estudos dos Cibercrimes da Abracrim.

Eles estiveram em Tatuí, na quinta-feira, 15, para palestrar sobre direitos digitais na IV Semana Jurídica, do curso de direito da Faesb (Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara), e na redação de O Progresso, onde falaram sobre os mais diversos tipos de crimes virtuais.

Segundo o advogado, os crimes atualmente relacionados ao ambiente digital, na maioria das vezes, já existiam, mas acabaram migrando e ganhando um novo formato com o advento da internet.

Ele ressalta que os delinquentes notaram um novo mundo — no qual são realizados as movimentações bancárias on-line, as compras virtuais, o trabalho à distância e outras situações — para o cometimento de delitos e que isso tem feito crescer o número de casos de cibercrimes.

De acordo com relatório da Norton Cyber Security, em 2017, o Brasil passou a ser o segundo país com maior número de casos de crimes cibernéticos, afetando cerca de 62 milhões de pessoas e somando prejuízo de US$ 22 bilhões.

No ano anterior, o Brasil era o quarto colocado na lista, mas agora fica atrás apenas da China, que, em 2017, teve prejuízo de US$ 66,3 bilhões. Um dos principais fatores do aumento de crimes está na popularidade dos smartphones, que agora chegam a 236 milhões de aparelhos no Brasil, ou 113,52 para cada 100 habitantes.

D’urso ressalta que essa modalidade de crime conta com um “atrativo” para o criminoso.  “Como o local para a realização é virtual e não depende da presença física do agente, nem do contato com a vítima, isso gera certa sensação de segurança ao bandido e faz aumentar o número de vítimas”, comentou D’Urso.

Além disso, o criminalista apontou que a falta de conhecimento técnico dos usuários também é motivo da migração dos crimes para o ambiente virtual.

Para ele, o crescimento rápido e a quase obrigatoriedade da utilização da rede fazem com que, muitas vezes, utilizem a Internet sem preparo o que os torna “alvos fáceis”.

“Na internet, as pessoas ficam mais suscetíveis por conta da falta de preparo. As pessoas de mais idade, principalmente, ainda estão despreparadas para lidar com a ferramenta e acabam caindo em golpes pela rede”, acrescentou D’Urso.

Conforme citado pelo especialista, um exemplo de crime que migrou para o ambiente virtual é o estelionato. Um dos casos mais comuns tem sido a clonagem do aplicativo de mensagens WhatsApp.

Por meio da clonagem, estelionatários transferem o número de um celular para outro chip e permitem que o aplicativo de mensagens seja ativado em outro aparelho. Com isso, criminosos se passam pelo proprietário da conta para pedirem dinheiro a contatos próximos.

Levantamento informal feito por O Progresso, com base nos boletins de ocorrência registrados na Delegacia Central, aponta que, somente neste ano, mais de dez pessoas foram vítimas deste tipo de golpe em Tatuí.

“O WhatsApp é ativado no celular com um SMS de verificação, que seria uma forma de segurança, mas os criminosos se passam por funcionários do aplicativo ou algum outro e a vítima, sem saber, acaba passando o código para bandidos”, exemplificou o criminalista.

Para não ser vítima da clonagem do WhatsApp, D’Urso sugere ativar a autenticação em duas etapas no aplicativo, o que faz necessário o uso de duas senhas para acessá-lo. Ele acrescenta que, sempre, deve-se desconfiar de pedidos de empréstimos pela internet e que bancos nunca solicitam códigos ou informações da conta por telefone ou e-mail.

D’Urso explica que, para ativar, é necessário abrir o WhatsApp, entrar na área das configurações, selecionar o item “conta” e a opção “verificação em duas etapas” – no iPhone, “confirmação em duas etapas”. Por fim, selecionar “ativar”, inserir uma senha e confirmar.

Ele explica que, uma vez ativada a verificação em duas etapas, qualquer tentativa de verificação do número do telefone será acompanhada por um PIN (senha) criado pelo usuário.

“Mesmo que a pessoa passe o código de verificação recebido por SMS para algum criminoso, dificilmente ele vai passar a senha, que é pessoal. Essa é a grande segurança para não ter o aplicativo clonado”, afirmou o advogado.

A segunda dica é direcionada às vitimas. D’Urso aponta que, no caso de a pessoa receber mensagem com pedido de empréstimo ou transferência de dinheiro, a primeira atitude a ser tomada é entrar em contato com a “solicitante”, por outro meio, pessoalmente ou por telefone.

“Nunca faça a transação sem entrar em contato com a pessoa que você acha que está pedindo o dinheiro. Ligue e confirme a situação, para não dar dinheiro para nenhum criminoso. Isso tem acontecido com frequência, e é necessário atenção”, orienta o especialista.

D’Urso destacou que a variedade de delitos que podem ser cometidos pela internet envolve, ainda, clonagem de cartões de crédito, venda on-line de drogas, sequestro de dados e arquivos confidenciais, pedofilia e furto de dados de acesso (phishing), entre outros.

O crescimento e a quantidade de crimes cometidos por meio digital são verificados também na Central de Denúncia On-line de Crimes Cibernéticos.

Em oito anos, de 2006 a 2013, o órgão recebeu mais de 3 milhões de denúncias anônimas, envolvendo mais de 527 mil páginas, de 94 países, que supostamente estão hospedando conteúdo ilícito ou são páginas nas quais ocorre a prática de crimes.

Outro dado alarmante está presente no estudo divulgado em junho de 2014, pela empresa McAfee, maior especialista em tecnologia de segurança do mundo, que concluiu que os crimes cibernéticos custam anualmente cerca de US$ 445 bilhões à economia global.

D’Urso adiciona que, muitas vezes, a internet e as redes sociais são usadas como fonte para o cometimento de crimes como sequestro, roubos, assassinatos, entre outros, devido à exposição dos usuários da rede.

“As pessoas compartilham de tudo: fotos do carro, passeios, crianças e outras situações que servem de informações. Houve o caso de um sequestro em que, após o término, os nove sequestradores informaram que verificavam os padrões sociais e a rotina das futuras vítimas, fazendo uma análise das fotos e informações postadas nas redes sociais”, acentuou.

Acrescentando outros crimes comumente relacionados aos ambientes virtuais, Adriana destacou os delitos contra a honra (difamação, calúnia e injúria), o racismo e outras formas de preconceito disseminadas pelas redes.

A advogada criminalista lembra que esses crimes tiveram início no “mundo real”, contudo, com o advento da internet, também migraram para o ambiente virtual. Ela ressalta que, nestes casos, os delitos são ainda mais danosos.

“A pessoa que está na rede social utiliza o anonimato. Normalmente, usam um perfil falso para criticar, ofender, disseminar mentiras, entre outras coisas. Isso acontece porque muitos acreditam que vão ficar impunes e que ninguém vai descobrir, mas isso é não é verdade. Hoje, temos recursos, e muitas pessoas estão sendo responsabilizadas por seus atos”, completou a advogada.

Conforme a advogada, o indivíduo que compartilha uma notícia falsa criminosa, ou algum ato de preconceito e discriminação, também pode ser responsabilizado. Ela enfatiza que é necessário ter cautela com o compartilhamento e postagens realizadas em redes sociais.

“As pessoas não têm consciência de que, uma vez na internet, você não consegue mais apagar a informação: sempre vai ficar algum vestígio. É como cortar um travesseiro de penas em uma montanha: você pode até conseguir recolher algumas, mas não todas. Essa é a informação na internet: uma vez postada, não dá mais para voltar atrás”, ressaltou.

D’Urso aponta, como exemplo de difamação na internet, o caso de um indivíduo que foi condenado a pagar R$ 100 mil, pelo Tribunal do Rio de Janeiro, para o cantor e compositor Chico Buarque, por um comentário feito no Instagram.

O caso aconteceu em janeiro de 2018, quando uma filha do artista, a atriz Silvia Buarque, postou uma fotografia do pai na rede, e o indivíduo comentou: “Família de canalhas! Que orgulho de ser ladrão!”.

“A internet ainda é responsável por casos emblemáticos de racismo, como os que atingiram a Tite (filha adotiva do ator Bruno Gagliasso), da jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, e a atriz Tais Araújo, que também sofreu este tipo de crime. Isso é crime e é bom ressaltar que não fica impune”, salientou a advogada.

A criminalista aponta ser difícil evitar que casos como esses aconteçam. Contudo, orienta que a vítima procure a delegacia mais próxima para registrar boletim de ocorrência, relatando a situação.

“É interessante também procurar um advogado porque, se for crime contra a honra, no caso da injuria racial, por exemplo, você tem uma situação de ação penal privada da injuria. Aí, você tem que ter um advogado para dar andamento nesta ação, não é o Ministério Público que faz a denuncia”, aconselhou.

Os irmãos encerraram o ciclo de palestras da Semana Jurídica da Faesb na noite de quinta-feira, 15. Na faculdade, D’Urso falou sobre cibercrimes e direito digital, abordando temas como os golpes na internet e a migração dos crimes físicos para o mundo virtual.

“Fazer o que fizemos hoje é ensinar para esta geração – que nasce no mundo digital – os riscos e as consequências dos atos cometidos pela internet com um desejo de reduzir o número de casos e melhorar o uso desta ferramenta”, mencionou o advogado.

Ainda durante a palestra, Adriana apontou dados sobre “preconceito e discriminação na internet”, falando sobre o racismo na rede virtual, tipos de preconceito, as legislações vigentes e as punições para esses tipos de crime.

Segundo ela, o objetivo principal do debate foi conscientizar os jovens e tentar incentivá-los ao cultivo de valores como respeito ao ser humano e amor ao próximo.

“Se não for algo positivo, não fale, não comente, não compartilhe, não passe adiante. É isso que nós tentamos ressaltar para as pessoas”, enfatizou a criminalista.

A O Progresso, os dois ainda defenderam a implantação de um sistema de educação digital nas escolas, por força de lei federal. “É uma sugestão e uma luta nossa. Acredito que precisamos ir conscientizando a população desde pequenos sobre o bom uso da internet”, disse D’Urso.

“A internet é maravilhosa, a gente não pode estigmatizar como algo negativo, cheio de golpes e coisa ruins. Ela é muito prática, veio para facilitar nossa vida, mas tem que ser bem utilizada. Só precisamos educar o ser humano para que ele utilize este recurso para o bem”, concluiu Adriana.