Buenos Aires querido





Os cruzeiros turísticos, além dos atrativos dos locais visitados, oferecem entretenimento de qualidade no próprio navio, enquanto navega em direção ao ponto de destino, conquistando um crescente número de turistas.

Os tatuianos, sempre que possível, também programam um cruzeiro em suas férias. Foi o que fizeram o Polenta, o Nando e suas respectivas esposas. Certa ocasião, combinaram um cruzeiro até Montevidéu, no Uruguai, e Buenos Aires, na Argentina.

Viagem maravilhosa. O navio escolhido caprichou em todos os momentos do cruzeiro. Tripulação atenciosa, acomodações luxuosas, shows, restaurantes… tudo ótimo. Desceram em Montevidéu, visitaram os principais pontos turísticos e os restaurantes que serviam a melhor carne do país vizinho. Tão bom que já sentiam saudade e desejo de voltar ainda estando lá.

De Montevidéu, foram até Buenos Aires. Ah, parecia que Carlos Gardel cantava incessantemente nos ouvidos dos amigos: “Mi Buenos Aires querido / cuando yo te vuelva a ver / no habrá más penas ni olvido” …

Parecia que estavam vivenciando personagens de um filme. Em uma boate, Nando, sentiu-se como no filme “Perfume de Mulher”, tomou sua esposa nos braços e, ao som de “Por Una Cabeza”, “tangou” durante alguns encantados momentos. Oh, viagem maravilhosa.

Incentivados pelo vinho portenho, Nando e Polenta cantaram trechos do único tango que sabiam de cor: “Adios muchachos, compañeros de mi vida / Barra querida de aquellos tempos / Me toca a mi hoy emprender la retirada / lalalá larilará…” Assim foi a noite toda em terra.

O dia seguinte seria o último em Buenos Aires e aproveitaram para fazer compras. Todo turista que se preza tem de fazer compras. A cidade parecia sorrir para eles. As lojas vendiam mercadorias que não eram encontradas no Brasil. Além disso, devido ao câmbio, tudo estava muito barato.

As horas passaram alegres e rapidamente. Encantados com tudo, cheios de sacolas, entraram em um café. Um casal de dançarinos rodopiava entre as mesas ao som de “La Cumparcita”, executada por uma pequena e afinada orquestra. Assistiam a tudo maravilhados. Mas, de repente, a realidade caiu pesadamente sobre eles:

– Que horas são, Polenta? – Nando perguntou.

– São quase 5 horas! Quando zarpa o navio? Às 6 ou às 5 horas? – respondeu Polenta, já perguntando.

– Nossa! Sai às 5 horas. O navio parte daqui a pouco. Estamos em cima da hora! – desesperadamente, Nando concluiu, levantando-se e indo pagar a conta, enquanto Polenta chamava um táxi.

Com a aflição, nem conseguiram apreciar o tango que tocava no rádio do táxi: “El día que me quieras / la rosa que engalana / se vestirá de fiesta / con su mejor color.” Que festa o quê! Se perdermos o navio teremos que voltar antes, de avião.

– Por favor, motorista, vamos mais depressa! – insistiam, a uma só voz.

Quando chegaram ao porto, o inesperado os aguardava. O local que os táxis estacionam fica uns 200 metros distante do local de embarque, e, de onde estavam, dava para ver, mais abaixo, o navio ancorado. Logo que chegaram, o navio apitou. Fuóóóó! Fuóóóó! Dava para ver as pessoas na murada do navio, agitando lenços brancos, despedindo-se daqueles que estavam no porto. Fuóóóó! Fuóóóó!

Bateu o desespero nos dois amigos. Saíram correndo do táxi, carregando dezenas de sacolas, agitando os braços e gritando, tentando chamar a atenção da tripulação do navio para que os esperasse. Nando estava à frente do grupo e nem notou que o pessoal que estava no porto vestia-se à moda antiga. Atrás deles, corria também o motorista do táxi, que não havia recebido pela corrida.

Esbaforindo, Nando correu até a amarração que prendia o navio ao cais e agarrou aquela amarra enorme, que um homem sozinho não consegue abraçar, e começou a puxar, tentando segurar o navio. Considerou que, como estava na água, estaria mais leve e ele ia trazer de volta o navio, para que pudessem embarcar.

As pessoas que ali estavam começaram a gritar com ele. Gritavam tanto que encobriram o apito do navio. Polenta foi o primeiro a perceber que algo diferente acontecia ali.

Na verdade, o navio zarparia somente à noite. O que estava acontecendo é que estavam filmando uma cena ali no porto de Buenos Aires, para uma novela da Rede Globo. As pessoas que agitavam lenços da murada do navio e os que se despediam em terra eram todos atores e figurantes.

Nem todas as mulheres que se despediam eram realmente do sexo feminino. Muitos figurantes usavam roupas femininas e, como eram filmados de costas, ninguém percebia.

O diretor da novela, quase tendo um faniquito, aos berros, veio repreender o Nando por atrapalhar a cena, ao mesmo tempo em que o motorista do táxi chegou, furioso, cobrando a corrida. Polenta e as mulheres estavam às gargalhadas, assim como todos os figurantes ali presentes, enquanto o Nando tentava se explicar sobre sua desvairada atitude.

Em poucos minutos, tudo foi esclarecido. O táxi foi pago e a filmagem daquela cena foi refeita, desta vez sem a interferência dos tatuianos, que assistiram à gravação ao som de Gardel, que cantava: “En caravana los recuerdos pasan / como una estela dulce de emoción / quiero que sepas que al evocarte / se van las penas del corazón […] Mi Buenos Aires querido / cuando yo te vuelva a ver / no habrá más penas ni olvido”.