Arte estimula preservação do patrimônio





Cristiano Mota

Apoiado pela direção, estudante pinta muro da ‘Deócles Vieira de Camargo’

 

Transformar problema recorrente de vandalismo em ação cultural. Isto é o que a Escola Estadual “Deócles Vieira de Camargo” conseguiu com o projeto “Go Graffiti Art”.

A iniciativa aconteceu durante o sábado, 21, viabilizada em parceria com o Poder Judiciário, por meio da “Justiça Restaurativa”.

Por meio dela, alunos do 1º, 2º e 3º ano do ensino médio da unidade grafitaram o muro da frente da escola.

A ideia de permitir que os estudantes se expressassem por meio do grafite surgiu de um problema. Conforme a professora de artes Ana Cristina Machado, a escola era alvo constante de pichações.

Fazendo uso de conceitos que permeiam a Justiça Restaurativa, projeto implantado em Tatuí pelo juiz de direito Marcelo Nalesso Salmaso, Ana Cristina disse que a escola começou um trabalho de conscientização junto aos estudantes.

O objetivo era fazer com que eles (os alunos “problemáticos”) tomassem conhecimento dos danos praticados pela pichação.

Ao reconhecer os estudantes como potenciais artistas, e não pichadores, a direção da “Deócles Vieira de Camargo” passou a ouvi-los, acatando sugestão de transformar o muro em uma vitrine de arte, pintada pelo próprio corpo discente.

“Como todos (os alunos) tiveram de escutar um sermão, os que realmente gostam de arte vieram pedir autorização para pintar o muro”, lembrou Ana Cristina.

A professora de artes disse que a iniciativa dos estudantes recebeu apoio da coordenadoria e da vice-diretora da unidade, Maria José Alves de Camargo. “Ela pediu para que eles fizessem um projeto, e nós fomos atrás de patrocínio”, contou.

O juiz coordenador do Núcleo de Justiça Restaurativa da comarca e membro da Coordenadoria da Infância e da Juventude e do grupo gestor da Justiça Restaurativa do Tribunal de Justiça de São Paulo tornou-se parceiro após tomar conhecimento do projeto.

Ele soube da iniciativa por meio de uma das reuniões que promove com os docentes para falar sobre a Justiça Restaurativa.

Num dos encontros, o coordenador Laércio Galvão Fiuza de Barros comentou com Salmaso sobre a proposta apresentada pelos estudantes.

O juiz colaborou com a iniciativa elaborando um projeto específico e ofícios cedidos aos estudantes para que eles pudessem solicitar patrocínio. Eles ganharam latas de “spray” de uma das unidades da loja Caetano Materiais de Construção.

Ao todo, dez alunos do ensino médio participaram da atividade. “É uma forma de incentivar o talento dos estudantes e de trabalhar com eles a questão do mau comportamento, conscientizando que dá para trabalhar com arte dentro da escola sem que haja depredação de patrimônio”, disse Ana Cristina.

De acordo com ela, antes do projeto, muitos alunos não tinham consciência de que a pichação não só difere do grafite, como causa danos à instituição de ensino.

Para estimulá-los ainda mais, a professora solicitou apoio de Jeferson Bart, grafiteiro conceituado e com participações em vários eventos no país.

Bart ministrou palestra para os alunos e definiu, com eles, a dinâmica da pintura do muro. “Eles se reuniram e, como cada um tem um estilo, pintaram desenhos, letras e personagens diferentes”, explicou a professora.

O grafiteiro também orientou os alunos com relação ao uso da paleta de cores e na escolha do espaço. Cada um ficou com pouco mais de quatro metros para usar a imaginação e preencher o muro.

Além dos conhecimentos, Bart compartilhou com os estudantes um pouco da história de vida dele – e da carreira. O grafiteiro começou desenhando em folhas de papel desde a 5a série (atual 6o ano do ensino fundamental). “Aí, passei para uma parede perto de casa, e, hoje, já tenho trabalhos em 32 cidades da região”, contou.

Bart define tanto a pichação como o grafite como manifestações artísticas. Para ele, ambos têm “valores” por se tratar de arte com tinta. Entretanto, o artista diz que o grafite costuma ser mais valorizado pela “quantidade de cores e complexidade dos desenhos”.

“O grafiteiro considera as duas coisas como intervenção de rua”, disse ele, que já pintou em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em Curitiba. “É difícil citar em números, mas os trabalhos variam em com e sem autorizações”.

Bart contabiliza metade dos trabalhos já produzidos em eventos e outra metade em viadutos, muros de prédios e de residências em municípios por todo o país.

De acordo com ele, boa parte das intervenções acontece porque há “acúmulo de materiais (latas de sprays ganhas como parte de cachê em eventos) e de criatividade”. “Chega um momento que tem de descarregar e pintar na rua”, afirmou.

Num desses momentos, ele, que também é designer gráfico, pediu a mão da namorada em casamento. Bart pintou a frase “casa comigo?” direcionada a Priscila Carriel.

A noiva aceitou o pedido e respondeu ao designer, pintando no muro a opção “com certeza”, como resposta – a outra resposta era “sim”.

Os dois encontraram-se num evento de apresentação artística. Priscila teria pegado o contato do designer e, a partir de então, passado a se comunicar frequentemente com ele.

“A gente conversou durante uns dois anos, começou a namorar e, quando eu pensei em pedir ela em casamento – como ela gostava do meu trabalho –, resolvei unir tudo e pedir através do grafite”, contou.

Aos 27 anos, o designer é considerado referência na área. Com 12 anos de trabalho, passou a ser convidado para eventos e a ministrar palestras. Na “Deócles”, ele orientou os estudantes. “A ideia era fazer um painel mural temático, mas eles quiseram pintar individualmente”, comentou.

O designer gráfico afirmou que aceitou o pedido da escola para atuar como voluntário por entender que está “colaborando para melhorar o aspecto da cidade”. “Há uma intenção por trás, de colorir e incentivar o grafite”.

Para Fernando Rogério, 16, a participação no “Go Graffiti Art” representou a primeira oportunidade de “expressão sem repressão”.

O estudante do 2º ano do ensino médio contou que já havia feito “artes” (pichações) em muros de residências e prédios, mas que nunca havia pedido permissão.

“Comecei faz dois anos. A ‘revolta’ e o gosto pela adrenalina me levaram”, disse ele, que, até então, havia feito somente grafite “bomb” (rápido, ou ilegal, geralmente à noite).

“Eu tinha feito somente no ‘rolinho’. Agora, estou pegando a manha. Quero evoluir, o que não dava quando os ‘homens’ chegavam”, falou.

Por conta do grafite, Rogério chegou a ter problemas com o Judiciário. Ele deve cumprir serviço comunitário e diz que, ao ser integrado ao projeto do muro, está mais consciente de que pode desenvolver arte sem depredar patrimônios.

Em material enviado a O Progresso, o juiz citou que, ao desenvolver o projeto, a direção e os professores da escola estadual entenderam a necessidade dos jovens de demonstrar expressão e arte, bem como de obter reconhecimento.

Afirmou, também, que a iniciativa é uma prática restaurativa. Destacou que o projeto é eficaz “para conter definitivamente a violência e a transgressão” e que, por essa razão, conta com o apoio do Núcleo de Justiça Restaurativa de Tatuí.