A Égua Vermelha





O clube XI de Agosto foi fundado em 1916 e já teve seus momentos de glória, cantados até mesmo no Hino a Tatuí, no estribilho, onde diz “… Tatuí do XI de Agosto / Tatuí da Festa de São Jorge…”, e quando diz “… No polo e no futebol, na justiça e na arte / No Carnaval e no fandango, Tatuí fez estandarte”. Todas essas referências são dos tempos de glória do time do XI de Agosto.

No final da década de 1950, quando a cidade se divida em junqueiristas e lisboístas, a paixão pelo futebol e as vitórias do time da Égua Vermelha fazia com que os tatuianos se esquecessem um pouco de suas brigas políticas, unindo-se em uma enorme torcida.

O XI de Agosto sagrou-se, por duas vezes, campeão amador do Estado de São Paulo, em 1957 e 1958, em uma modalidade de campeonato que não mais existe. Apesar de que praticamente nenhum jogador era tatuiano, todos vinham de fora, apesar de que alguns se radicaram na cidade, a torcida tatuiana acompanhava o time por todas as cidades em que jogava.

O clube não tinha dinheiro para pagar salários aos jogadores e, então, os sócios contribuíam com quantias em dinheiro para cobrir as despesas dos jogos e, também, havia um velho barril vazio que, por ocasião dos jogos, servia para coletar os donativos para o “bicho” dos jogadores. Renato Gaúcho (… é, o XI teve um Renato Gaúcho) e Ponce, dois jogadores do time campeão, para sobreviver, trabalhavam como garçons na sala de jogo de baralho do Clube Recreativo, recebendo um pequeno salário e gorjetas.

A sede do XI, nessa época, era na rua 11 de Agosto, aproximadamente onde hoje funciona a Cybelar. Os jogos aconteciam no próprio estádio do XI e em outras cidades, como Botucatu, Avaré, Itu, Indaiatuba, Sorocaba… A torcida ia junto, em automóveis, ônibus e até na carroceria de caminhões.

Antonio Norberto Marques, conhecido como Bertinho, funcionário do Cartório de Registros de Imóveis e Anexos, comandado então por Donato Flores, era um dos aficionados pelo futebol tatuiano. Quase sempre viajava com a torcida para incentivar o time nas cidades em que aconteciam os jogos. Jogos e, claro, brigas.

As brigas eram comuns na cidade, principalmente devido à política. Até mesmo as famílias estavam separadas pelo junqueirismo e o lisboísmo. Ali na Praça da Matriz, o pessoal junqueirista ficava perto do Cine S. Martinho, enquanto que os lisboístas juntavam-se em frente ao Clube Recreativo. Cada turma ficava criticando a outra de longe, pois de perto sairia briga.

Então, em um clima desses, o futebol era um motivo para explodir a violência que, diga-se de passagem, não passava de socos e tapas. Luta corporal, apenas. Não andavam armados.

Certa ocasião, havia um jogo em Itatiba, e Bertinho foi de táxi com alguns outros tatuianos. O carro era um De Soto e o motorista era o conhecido Zé Minduim. Quando começou uma enorme briga entre a torcida tatuiana e os itatibenses, Bertinho até pensou em entrar no rolo, mas o Issa Saad lhe disse para ficar no carro, pois ele “era muito fraquinho”…

Issa, irmão do Zé Turco, era um homem alto e forte, impôs-se mesmo sem brigar, afastando os adversários dos tatuianos com seu porte. Ninguém se atreveu a provocá-lo e o Bertinho viu-se a salvo escondido no táxi.

Mas não queriam abusar da sorte. Logo, entraram todos no táxi e voltaram a Tatuí. Porém, o Zé Minduim não ultrapassava os 60 quilômetros por hora e, assim, todos olhavam temerosos para trás, temendo que os itatibenses viessem atrás deles…

– Corra, Zé! – todos imploravam, mas a velocidade do De Soto dirigido pelo Zé Minduim não passava disso.

Depois disso, o time de Itatiba veio jogar em Tatuí. O estádio lotou e muitos treparam nas mangueiras da avenida para poder assistir, visto que não cabia mais ninguém no campo esportivo.

Nas proximidades do campo não aconteceram brigas, mas quando alguns itatibenses vieram comer na Churrascaria do Gaúcho, que ficava na Praça da Matriz, onde hoje está a Ótica Peixoto, o pau comeu. Um dos tatuianos mais exaltados era o Bia, muito conhecido na época.

Os itatibenses corriam pela extensão da rua 11, para cima e para baixo, tentando escapar dos briguentos. Um deles correu e entrou no Hotel Rex, perseguido pelo Bia e por uma multidão. Lá, por sorte dele, o dono do hotel o abrigou e não deixou que surrassem o cidadão.

Em um jogo em Itu, a briga foi fenomenal, dessa vez provocada, segundo o Bertinho, por um desentendimento entre um ituano e o Neto Cartucho, personagem inesquecível do bairro 400.

O XI de Agosto arrastava multidões de torcedores, em uma época em que a televisão praticamente não existia. As poucas existentes eram precárias e não transmitiam esses jogos.

Dias de jogo do time da Égua Vermelha esvaziava a cidade. A única ocasião em que Tatuí ficou deserta, como acontecia quando havia jogos do XI, foi quando o monsenhor Silvestre Murari foi transferido para Cerquilho, sendo acompanhado por uma enorme multidão até a vizinha cidade. Essa transferência, dizem, deu-se também por questões da efervescente política tatuiana.

Algum tempo depois, o time do XI de Agosto deixou de ganhar e acabou-se aquela aura de glória que animava os tatuianos. Até o Conde Matarazzo, tipo popular da época, quando catava gravetos e papéis pela cidade, repetia seu bordão criticando o time da Égua Vermelha:

– Tá morta a ééégua! Tá morta a ééégua!

Aquelas brigas políticas acabaram, surgindo outras, sempre com a cidade saindo em prejuízo. A letra do Hino a Tatuí está completamente desatualizada, as colheitas tatuianas não lembram mais nossa bandeira, pois nem as melancias e nem os abacaxis são colhidos aqui. Não há destaque do futebol, nem do polo, apesar das amazonas do Horseball de Batom. O Carnaval é apenas uma sombra do passado, assim como o fandango. Nada mais disso existe em Tatuí. Tudo faz parte do passado. Sobrou a Festa de São Jorge, santo polêmico por não ter comprovada sua existência.

É… Tá morta a égua!